O Banco Central deve determinar os preços dos derivados no Brasil?

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*Adhemar Mineiro

Desde junho, importadores de derivados de petróleo, refinadores privados e acionistas minoritários da Petrobras têm exercido forte pressão pelo reajuste dos preços dos combustíveis. O ajuste ocorreu no início de julho, após um longo período de estabilidade sustentado pela política de preços da Petrobras, vigente desde maio de 2023.

As decisões do Banco Central sobre o câmbio têm um impacto indireto no preço dos derivados de petróleo, principalmente se a vinculação com os preços internacionais for mantida. (Na imagem, o edifício sede do Banco Central do Brasil, em Brasília/DF. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil.)

O principal argumento desses atores foi o descolamento recente entre os preços internos e o Preço de Paridade de Importação (PPI). No último ano, os preços internacionais do petróleo oscilaram significativamente, mas essas variações se compensaram.

Portanto, o descompasso entre os preços nacionais e o PPI deve-se principalmente à valorização do dólar frente ao real, resultante da variação interna da taxa de câmbio, gerida pelo Banco Central do Brasil.

De acordo com os dados do Banco Central, a taxa de câmbio nominal variou 14,3% entre fevereiro e julho e 10,7% entre abril e julho deste ano. Esse movimento brusco e quase contínuo ocorreu sem que a instituição tomasse medidas para contê-lo.

O Banco Central poderia ter utilizado suas reservas cambiais, que permanecem em torno de US$ 350 bilhões desde 2020, ou recorrer a mecanismos financeiros, como o swap cambial, para estabilizar a taxa[1].

Nesse mesmo período, um ácido debate em torno da política econômica ocorreu entre setores do governo, em especial a Presidência da República e o presidente do Banco Central do Brasil, e a maior parte do mercado financeiro nacional, incluindo grandes bancos, investidores e porta-vozes de seus instrumentos de operação (instituições financeiras).

O foco da discussão era a definição das taxas de juros no país, que permanecem extremamente elevadas, restringindo investimentos e consumo, e, portanto, limitando uma expansão mais dinâmica da economia. Houve também pressão por um ajuste fiscal mais rigoroso, aprofundando a política de austeridade nos marcos do “Novo Arcabouço Fiscal” já adotado pelo governo federal através do Ministério da Economia.

O mercado financeiro não quer apenas obter maiores retornos com a manutenção das altas taxas de juros, que se tornam ainda mais atrativas com a queda das estimativas de inflação, elevando assim os juros reais. Quer também, por meio do ajuste fiscal, garantir que não haja riscos aos seus pagamentos.

Ainda mais, ao inviabilizar o investimento público, cria-se espaço para que projetos governamentais, em vez de serem financiados com recursos públicos, sejam custeados por parcerias público-privadas e outros instrumentos financeiros, ampliando as oportunidades de negócios para o setor privado. Essa estratégia oferece uma dupla vantagem, com praticamente nenhum risco.

Além disso, parece ter havido um objeto oculto nesta discussão: o “enquadramento” dos diretores já indicados pelo governo para o Banco Central, ainda em minoria no conjunto da diretoria da instituição, e a pressão a respeito dos novos indicados. Seria, como se diz no jargão do mercado, o tal “beijo na Cruz”, a prova da conversão dos novos diretores.

Com a nova lei aprovada no início de 2021, durante o governo Bolsonaro, o Banco Central ganhou mais do que autonomia formal. Embora a autonomia operacional já existisse desde o final dos anos 1990, com o regime de metas de inflação permitindo que o Comitê de Política Monetária atuasse de forma independente, a nova lei ampliou ainda mais essa autonomia ao estabelecer mandatos fixos para o presidente e os diretores da instituição.

Assim, presidente e parte da diretoria em exercício foram nomeados pelo governo anterior e continuarão em seus cargos até o término de seus mandatos. Somente agora, no segundo semestre, o governo Lula começará a indicar uma nova maioria e o novo presidente do Banco Central.

Além disso, a lei estabelece que os ocupantes desses cargos prestam contas ao Senado Federal, sendo, portanto, necessário que as indicações sejam aprovadas por esse órgão.

O Banco Central é responsável por duas das três principais políticas econômicas: a política cambial e a política monetária, esta última implementada por meio de vários mecanismos, inclusive a fixação da taxa de juros.

Apenas a política fiscal não é definida pelo Banco Central, mas está amarrada pelo Novo Arcabouço Fiscal, assim como antes estava regida pela chamada Lei de Teto de Gastos. Enquanto, a flexibilidade do Ministério da Fazenda é bem restrita, a do Banco Central é substancial.

Ao definir a taxa de câmbio, o Banco Central tem enorme poder inclusive para sinalizar o que vai acontecer com a taxa de juros. O dólar serve como um indexador informal dos preços, suas variações podem pressionar os preços para cima e elevar a inflação. Se isso acontece, pela política de metas de inflação, o Banco Central tem uma justificativa forte para subir a taxa de juros. Uma importante discussão a ser feita.

As decisões do Banco Central sobre o câmbio têm um impacto indireto no preço dos derivados de petróleo, principalmente se a vinculação com os preços internacionais for mantida.

A política cambial adotada pela instituição exerce um efeito secundário significativo na precificação dos combustíveis. Um dos objetivos da proposta de descontinuar o uso do PPI como referência exclusiva era alinhar o preço dos combustíveis à capacidade de produção nacional e às necessidades internas, em vez de deixá-los vulneráveis à volatilidade da taxa de câmbio e dos preços internacionais.

O Brasil é um exportador de petróleo, não precisaria adotar o PPI como referência, muito menos de forma automática como reivindicado por alguns setores.

Nota
[1] “Swap (do inglês, “troca”) é um derivativo financeiro que promove simultaneamente a troca de taxas ou rentabilidade de ativos financeiros entre agentes econômicos. Por meio dele, o BC procura evitar o movimento disfuncional do mercado de câmbio. O objetivo dessas operações é prover “hedge” cambial – proteção contra variações excessivas da moeda americana em relação ao real – e liquidez ao mercado de câmbio doméstico. A compra de contrato de swap pelo BC funciona como injeção de dólares no mercado futuro.” (explicação do próprio Banco Central do Brasil, em Swap cambial (bcb.gov.br) ).

* Economista. Artigo publicado originalmente no Jornal GGN.