O “fim” do Brasil

* Mauro Santayana

Já há alguns meses, e mais especialmente na época da campanha eleitoral, grassam na internet mensagens com o título genérico de “O Fim do Brasil”, defendendo a estapafúrdia tese de que a nação vai quebrar nos próximos meses, que o desemprego vai aumentar, que o país voltou, do ponto de vista macroeconômico, a 1994 etc. etc. – em discursos irracionais, superficiais, boçais e inexatos.

Na análise econômica, mais do que a onda de terrorismo antinacional em curso, amplamente disseminada pela boataria rasteira de botequim, o que interessa são os números e os fatos.

Segundo dados do Banco Mundial, o PIB do Brasil passou, em 11 anos, de US$ 504 bilhões em 2002, para US$ 2,2 trilhões em 2013. Nosso Produto Interno Bruto cresceu, portanto, em dólares, mais de 400% em dez anos, performance ultrapassada por pouquíssimas nações do mundo.

Para se ter ideia, o México, tão “cantado e decantado” pelos adeptos do terrorismo antinacional, não chegou a duplicar de PIB no período, passando de US$ 741 bilhões em 2002 para US$ 1,2 trilhão em 2013; os Estados Unidos o fizeram em menos de 80%, de pouco mais de US$ 10 trilhões para quase US$ 18 trilhões.

Em pouco mais de uma década, passamos de 0,5% do tamanho da economia norte-americana para quase 15%. Devíamos US$ 40 bilhões ao FMI, e hoje temos mais de US$ 370 bilhões em reservas internacionais. Nossa dívida líquida pública, que era de 60% há 12 anos, está em 33%. A externa fechou em 21% do PIB, em 2013, quando ela era de 41,8% em 2002. E não adianta falar que a dívida interna aumentou para pagar que devíamos lá fora, porque, como vimos, a dívida líquida caiu, com relação ao PIB, quase 50% nos últimos anos.

Em valores nominais, as vendas nos supermercados cresceram quase 9% no ano passado, segundo a Abras, associação do setor, e as do varejo, em 4,7%. O comércio está vendendo pouco? O eletrônico – as pessoas preferem cada vez mais pesquisar o que irão comprar e receber suas mercadorias sem sair de casa – cresceu 22% no ano passado, para quase US$ 18 bilhões, ou mais de R$ 50 bilhões, e o país entrou na lista dos dez maiores mercados do mundo em vendas pela internet.

Segundo o Perfil de Endividamento das Famílias Brasileiras divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o ano de 2014 fechou com uma redução do percentual de famílias endividadas na comparação com o ano anterior, de 62,5%, para 61,9%, e a porcentagem de famílias com dívidas ou contas em atraso, caiu de 21,2%, em 2013, para 19,4%, em 2014 (menor patamar desde 2010). A proporção de famílias sem condições de pagar dívidas em atraso também diminuiu, de 6,9% para 6,3%.

É esse país – que aumentou o tamanho de sua economia em quatro vezes, cortou suas dívidas pela metade, deixou de ser devedor para ser credor do Fundo Monetário Internacional e quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos, que duplicou a safra agrícola e triplicou a produção de automóveis em 11 anos, que reduziu a menos de 6% o desemprego e que, segundo consultorias estrangeiras, aumentou seu número de milionários de 130 mil em 2007 para 230 mil no ano passado, principalmente nas novas fronteiras agrícolas do Norte e do Centro-Oeste – que malucos estão dizendo que irá “quebrar” em 2015.

E se o excesso de números é monótono, basta o leitor observar a movimentação nas praças de alimentação dos shoppings, nos bares, cinemas, postos de gasolina, restaurantes e supermercados; ou as praias, de norte a sul, lotadas nas férias. E este é o retrato de um país que vai quebrar nos próximos meses?

O Brasil não vai acabar em 2015.

Mas se nada for feito para desmitificar a campanha antinacional em curso, poderemos, sim, assistir ao “fim do Brasil” como o conhecemos. A queda das ações da Petrobras e de empresas como a Vale, devido à baixa do preço do petróleo e das commodities, e também de grandes empresas ligadas, direta e indiretamente, ao setor de gás e de petróleo, devido às investigações sobre corrupção na maior empresa brasileira, poderá diminuir ainda mais o valor de empresas estratégicas nacionais, levando, não à quebra dessas empresas, mas à sua compra, a preço de “bacia das almas”, por investidores e grandes grupos estrangeiros – incluídos alguns de controle estatal – que, há muito, estão esperando para aumentar sua presença no país e na área de influência de nossas grandes empresas, que se estende pela América do Sul e a América Latina.

Fosse outro o momento, e o Brasil poderia – como está fazendo a Rússia – reforçar sua presença em setores-chave da economia, como são a energia e a mineração, para comprar, com dinheiro do tesouro, a preço muito barato, ações da Petrobras e da própria Vale. Com isso, além de fazer um grande negócio, o governo brasileiro poderia, também, contribuir com a recuperação da Bolsa de Valores. Essa alternativa, no entanto, não pode sequer ser aventada, em um início de mandato em que o governo se encontra pressionado, praticamente acuado, pelas forças neoliberais que movem – aproveitando os problemas da Petrobras – cerrada campanha contra tudo que seja estatal ou de viés nacionalista.

Com isso, o país corre o risco de passar, com a entrada desenfreada de grandes grupos estrangeiros na Bolsa por meio da compra de ações de empresas brasileiras com direito a voto, e a eventual quebra ou absorção de grandes empreiteiras nacionais por concorrentes do exterior, pelo maior processo de desnacionalização de sua economia, depois da criminosa entrega de setores estratégicos a grupos de fora – alguns de capital estatal ou descaradamente financiados por seus respectivos países (como foi o caso da Espanha) nos anos 1990.

Projetos que envolvem bilhões de dólares, e mantêm os negócios de centenas de empresas e empregam milhares de brasileiros já estão sendo, também, entregues para estrangeiros, cujas grandes empresas, no quesito corrupção, como se pode ver no escândalo dos trens, em São Paulo, em nada ficam a dever às brasileiras.

Para evitar que isso aconteça, é necessário que a sociedade brasileira, por meio dos setores mais interessados – associações empresariais, pequenas empresas, sindicatos de trabalhadores, técnicos e cientistas que estão tocando grandes projetos estratégicos que poderiam cair em mãos estrangeiras –, se organize e se posicione. Grandes e pequenos investidores precisam ser estimulados a investir na Bolsa, antes que só os estrangeiros o façam.

O combate à corrupção – com a punição dos responsáveis – deve ser entendido como um meio de sanar nossas grandes empresas, e não de inviabilizá-las como instrumentos estratégicos para o desenvolvimento nacional e meio de projeção do Brasil no exterior.

É preciso que a população – especialmente os empreendedores e trabalhadores – percebam que, quanto mais se falar que o país vai mal, mais chance existe de que esse discurso antinacional e hipócrita, contamine o ambiente econômico, prejudicando os negócios e ameaçando os empregos, inclusive dos que de dizem contrários ao governo.

É legítimo que quem estiver insatisfeito combata a aliança que está no poder, mas não o destino do Brasil, e o futuro dos brasileiros.

 * jornalista

Publicado na Revista do Brasil