O mercado de biogás em expansão na Europa já chega no Brasil

Rodrigo Leão*

A Europa tem apresentado um forte crescimento na produção de biogás nos últimos anos. O biogás é uma das fontes de energia mais limpas que compõe a estratégia europeia de reduzir a dependência das importações de energia. Tal crescimento tem sido sustentado pela adoção de um conjunto de políticas públicas que visam impulsionar o segmento do biogás. Com o advento da guerra da Ucrânia-Rússia onde ficaram evidente os riscos negativos da dependência das fontes energéticas russas, há uma perspectiva de aceleração dos investimentos em biogás dos países da União Europeia.

Esse olhar europeu para o biogás tem feito suas empresas realizarem investimentos em outros países, como é o caso do Brasil. As vantagens competitivas do mercado brasileiro abrem espaço para a instalação de plantas produtivas por empresas como a Tereos e a Raízen.

De 2008 a 2016, a produção de biogás na UE-28 dobrou, saindo de 93 TWh para 187 TWh. A perspectiva é que, entre 2020 e 2030, ocorra uma nova duplicação da fabricação de biogás na região. Apesar disso, nos últimos anos, a taxa de expansão da produção teve um crescimento menos intenso, o que deve obrigar aos países europeus a realizar novos esforços para retomar a aceleração da fabricação de biogás.

Nesse sentido, o European Green Deal estrutura três diretrizes para impulsionar os investimentos no biogás: (i) EU Methane Strategy; (ii) Energy System Integration Strategy; e (iii) From Farm to Fork’-strategy. Na EU Methane Strategy, há ações visando o desenvolvimento de soluções eficientes de biogás com o objetivo de diminuir as emissões de metano dos setores de agricultura, resíduos e energia. A Energy System Integration Strategy promove iniciativas para utilizar resíduos na produção de energia a fim de substituir o uso do gás fóssil por gases renováveis. Essa diretriz em conjunto com aquela denominada ‘From Farm to Fork’-strategy, incentiva o desenvolvimento da energia circular comunidades em conexão com a agricultura.

No entanto, para o funcionamento destas estratégias, são necessárias a preservação e/ou intensificação de políticas públicas que estimulem o sistema produtivo de biogás. Um recente artigo dos pesquisadores Marcus Gustafsson e Stefan Anderberg da Universidade de Linköping, na Suécia, que analisou as políticas públicas para oito países da Europa, aponta que a estabilidade e a manutenção das políticas públicas no longo prazo fomentam a atuação tanto dos produtores, como dos consumidores de biogás.

“A eficácia dos instrumentos econômicos [no setor de biogás] depende mais de sua relevância para os atores visados e da estabilidade de sua aplicação. (…) Políticas e instrumentos políticos de longo prazo podem ser uma boa maneira de criar condições favoráveis para o setor de biogás, proporcionando uma estrutura estável e previsível tanto para os produtores quanto para os clientes”, concluem os pesquisadores ao final do artigo.

Apesar disso, há diferenças importantes no desenvolvimento dessa matriz energética nos diferentes países. No caso dos países europeus avaliados no estudo, os autores observam que alguns países têm tido mais sucesso do que outros na exploração de seu potencial doméstico de produção de biogás. Por exemplo, a Alemanha produz mais de 1 MWh por pessoa e ano, enquanto o valor correspondente para a França, Noruega e Suécia é de cerca de 0,2 MWh por pessoa e ano. A média para a UE-27 é quase o dobro, pouco menos de 0,4 MWh por pessoa e por ano. Os grandes produtores têm utilizado medidas mais agressivas para fomentar o mercado de biogás nos seus países e criar competitividade para atuar externamente.

Na Alemanha e na Dinamarca, os subsídios fiscais para o biogás sofreram reformas a fim de tornar as despesas orçamentárias mais previsíveis. No caso da Alemanha, o país usou outras medidas como exigência de redução das emissões na agricultura. Já a Dinamarca introduziu apoio ao investimento em usinas de biogás e mecanismos produtivo para elevar a injeção de biometano na rede de gás.

A despeito das diferenças entre o desenvolvimento do biogás na Europa, é inquestionável que esse setor tende a crescer em todo o continente nos próximos anos, incluindo um processo de internacionalização das suas empresas buscando outros mercados, como o Brasil.

De acordo com a Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), 27 novas plantas de biogás para geração de energia elétrica foram construídas no país apenas em 2022, adicionando 12,6 MW aos 300 MW de capacidade instalada já existente. A previsão da Abiogás é de que R$ 200 milhões sejam investidos no setor até 2024, adicionando mais 17,4 MW à capacidade instalada brasileira.

Esse potencial tem feito algumas empresas europeias apostarem no biogás brasileiro. A francesa Tereos investiu R$ 15 milhões na implantação de uma planta piloto de biogás produzido com a vinhaça, um resíduo da cana, na unidade Cruz Alta, em Olímpia (SP). A União Nacional da Bioenergia (Udop) informou:

A Raízen instalou uma das maiores plantas de biogás do mundo, com 21 MW de capacidade instalada, localizada em Guariba no estado de São Paulo. “Construída junto à usina Bonfim, unidade da Raízen com uma moagem de mais de 5 milhões de toneladas de cana por ano que gera elevado volume de vinhaça e torta de filtro e atendem às necessidades de um projeto de biogás em escala comercial, a vinhaça será operada na safra e a torta, ao longo do ano inteiro. A expectativa é que essa combinação chegará em uma produção na ordem de 138 mil MWh”, noticiou a empresa.

A Raízen é uma joint-venture entre a Cosan e a petrolífera anglo-holandesa Shell, o que significa que as empresas de petróleo já estão de olho nesse mercado no Brasil. Por isso, sem dúvidas, a indústria do biogás terá um papel relevante para a transição energética no Brasil, principalmente para a interiorização do gás. Isso significa que haverá grande sinergia com os negócios de óleo e gás. Não será surpresa se, nos próximos anos, outras empresas de petróleo europeias aproveitarem essa sinergia para explorar esse mercado tão promissor em solo brasileiro.

* Economista do Ineep. Artigo publicado originalmente no Broadcast Energia e republicado no site do Ineep.