Em outubro de 2019, a operação dos campos de Carapeba, Pargo e Vermelho saiu das mãos da Petrobras e foi para a Perenco, que conseguiu recentemente, junto à ANP, a prorrogação do contrato de concessão em na Bacia de Campos até 2040. Mesmo a empresa europeia anunciando mais de 50 ações na região, só para este ano, na prática fica a pergunta: essa mudança é um bom negócio? Para quem?
Segundo Rodrigo Pimentel Leão, economista do Dieese, a saída da Petrobras pode gerar reflexos negativos na região. “Na prática, percebemos que onde entra a iniciativa privada, caem o número de empregos e a produção. A Petrobras não pode ‘sair de fininho’, como se não fosse prejudicial. É estratégico mantê-la na região”, comenta.
A estatal alega que a intenção é se dedicar mais ao pré-sal na Bacia de Campos, e que deixar de atuar nos campos maduros é um esforço para reduzir dívidas. Mas para o especialista, essa decisão é controversa, porque a própria empresa alterou o indicador de dívidas ao longo do tempo.
Queda de investimentos da Petrobras
Que essa cartada da Petrobras significa queda de investimentos, não há dúvidas. Em 2013, a empresa investiu cerca de US$ 9 bilhões na Bacia de Campos. Seis anos depois, os investimentos caíram para US$ 3,2 bilhões, ou seja, menos 64%. Mas nada garante que alguém vá suprir essa diferença.
“Percebemos que as outras empresas nunca investiram de forma pesada, como a Petrobras sempre fez. Outro ponto que impacta muito é que uma estatal tem que contratar mão de obra local. De uma empresa privada, não há esse tipo de garantia”, alerta Cloviomar Cararine, economista do Dieese e assessor da FUP.
Embora os especialistas concordem que a Bacia de Campos, hoje, seja menos atrativa do que o pré-sal, ela ainda é rentável. Rodrigo Leão explica que o desafio, na região, é conseguir aumentar o volume da recuperação das reservas. Mas a transferência de patrimônio não seria a saída. Afinal, as empresas que estão comprando esses campos são de pequeno e médio porte, além de não ter a expertise que foi desenvolvida pelos brasileiros.
“Muitos desconsideram que a Petrobras sozinha, em geral, tem capacidade muito maior: ela investe bilhões de dólares por ano, o que as menores investem em cinco anos. A tendência das empresas privadas é explorar as regiões até não serem mais viáveis. Isso vai reduzir o tempo de vida útil da bacia em questão”, afirma Leão.
Impacto sobre o mercado de trabalho
Um impacto importante a se considerar é sobre o mercado de trabalho. O município de Macaé é um exemplo. Nos últimos cinco anos, teve uma redução drástica de postos de trabalho diretos e indiretos, reflexo do enxugamento da estrutura da estatal na cidade.
Macaé e Campos dos Goytacazes perderam, nos últimos cinco anos, 50 mil empregos, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Com isso, outras empresas também deixam de investir na região e a arrecadação de impostos cai. “Macaé está virando uma cidade-fantasma”, lamenta Cloviomar.
A Bacia de Campos, que já teve uma participação majoritária na produção nacional, hoje tem uma magra fatia de 27%. Essa queda se reflete na diminuição do número de plataformas e se espalha por toda a cadeia econômica. O economista do Dieese realizou um estudo sobre a redução de plataformas, que significa menos gente embarcada e menos helicópteros.
“Entre 2010 e meados de 2020, conseguimos quantificar 38 plataformas vendidas, hibernadas, paradas ou retiradas. Em 2014, eram 13.200 trabalhadores na região; no ano passado, eram 9.500 trabalhadores diretos. Dos terceirizados, há uma estimativa de redução de 40 mil de 2014 para 17.800 hoje.”
Algumas obrigações de quem assume um campo de exploração são mantidos, mesmo sendo o setor privado, como pagamentos de royalties e cuidados ambientais. Investimentos culturais e de pesquisa, por outro lado, não estão previstos. Uma estatal faz, mas outras empresas preferem continuar investindo em seus países de origem.
Quase 50 anos de história em Campos
Desde 1973, a Petrobras investe na descoberta do petróleo, contrariando o diagnóstico de empresas estrangeiras que sempre afirmaram que aqui não existia uma gota sequer da matéria-prima. E começou todo um investimento em estudos de Geologia e Engenharia, formando uma mão de obra altamente qualificada, com desenvolvimento de tecnologias e criação de estruturas.
Essas iniciativas estão ligadas diretamente ao fato dela ser estatal. E em 20 anos de mercado aberto, as estrangeiras não expandiram a trilha que já havia sido aberta pela estatal, sempre optando por serem apenas parceiras. Ou seja, a Petrobras diminui investimentos e as outras petrolíferas só caminham pela clareira aberta pela estatal, instalando-se na casa já montada.
Não há dados concretos sobre quantos empregos estavam previstos para serem criados com a entrada da Perenco. O diretor institucional Leonardo Caldas apenas anunciou que com os investimentos e a operação da empresa, serão gerados “royalties e receitas de impostos, empregos, atividade econômica regional e riqueza para a sociedade no processo”.
Os três campos custaram à franco-inglesa US$ 398 milhões. Na região, há outras estrangeiras, como a Chevron, Shell, Repsol, ExxonMobil e Equinor, entre outras. Logo, não é difícil prever como essas empresas agem quando assumem os campos descobertos pela Petrobras.
Salários menores e menos benefícios
Eider Siqueira, coordenador do setor privado do Sindipetro NF, relata o que tem acontecido. “Esperava-se que as ofertas de emprego triplicassem, porque a Perenco e outras estão tomando conta da região, mas não é o que acontece. Os empregos que surgiram foram para estrangeiros. Quem recebia R$ 3 mil, hoje recebe R$ 1.100, e eles cortaram o plano de saúde extensivo aos dependentes. Os trabalhadores estão sendo orientados a fechar com sindicatos que não representam a categoria, como segurança e construção civil. Por causa do alto índice de desemprego, esses petroleiros estão aceitando perder direitos e poder aquisitivo para garantir seus postos. Enquanto isso, a Petrobras faz ‘vista grossa’ e o judiciário prolonga o debate, até chegar em última instância, e os trabalhadores não vêm avanço”, denuncia.
Os planos de investimento da Perenco são para retomar o nível de produção de Pargo, Carapeba e Vermelho registrado antes de 2015, o que a empresa espera alcançar em 2024. Mas não há garantias de que os postos de trabalho voltem ao nível daquela época. De acordo com dados da Petrobras, Dieese e IBGE, no Sistema Petrobras no Norte Fluminense, 4.282 empregos foram perdidos nos últimos seis anos (queda de 25%).
Só entre 2016 e 2018, 2.674 vagas se fecharam, uma queda de 22%. No Setor Privado, estima-se que entre 2014 e junho de 2020 foram perdidos 21.736 postos de trabalho, uma redução de 55%. Somando os empregos perdidos no Sistema Petrobras e no Setor Privado na região, entre 2016 e 2020, estima-se que foram extintas 9.522 vagas.
Mesmo entre 2018 e junho de 2020, período em que a Perenco entrou e começou a operar na Bacia de Campos, a quantidade de petroleiros do setor privado teve uma queda de 8% (1.500 empregos).