Transações ocorreram minutos após reunião de Bolsonaro com ministros, que selou a troca no comando da estatal; no mesmo dia, gerente de RH realizou venda ilegal de ações
Por Guilherme Weimann
No final da tarde de uma quinta-feira, mais especificamente às 16h45 do dia 18 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) convocou uma reunião, no Palácio do Planalto, para tratar da crise gerada pelos constantes reajustes dos combustíveis. Por cerca de 30 minutos, participaram do encontro os ministros Bento Albuquerque (Minas e Energia), Paulo Guedes (Economia), Tarcísio Freitas (Infraestrutura), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo, atualmente na Casa Civil), Walter Souza Braga Netto (Casa Civil, atualmente na Defesa) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).
Vinte minutos após o término da agenda, às 17h35, houve a aquisição de 2,6 milhões da PETRN265, que são ações da Petrobrás comercializadas no mercado financeiro. Nove minutos depois, às 17h44, ocorreu mais uma compra de 1,4 milhão de títulos. Juntas, elas teriam custado R$ 160 mil.
Na mesma quinta-feira, às 19 horas, Bolsonaro informou, em uma live, que mudanças ocorreriam na estatal: “Se bem que alguma coisa vai acontecer na Petrobrás nos próximos dias. Tem que mudar alguma coisa. Vai acontecer”.
Devido a essas declaração, as ações da petroleira começaram a cair e, logo após o fechamento do pregão do dia seguinte, 19 de fevereiro, Bolsonaro anunciou a troca do economista Roberto Castello Branco, pelo general da reserva do Exército Joaquim Silva e Luna no comando da Petrobrás.
Com isso, na segunda-feira, dia 22 de fevereiro, o mercado reagiu com uma queda de 20,1% nas ações da companhia, de R$ 27,33 para R$ 21,77, o que gerou uma perda de R$ 28,2 bilhões em valor de mercado da estatal.
Como os 4 milhões de títulos tinham uma opção de venda com valores determinados, ou seja, o portador poderia vendê-los por um valor definido, a colunista do jornal O Globo, Malu Gaspar, noticiou na ocasião que eles haviam gerado um lucro de cerca de R$ 18 milhões.
Entretanto, no dia 15 de março, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) soltou uma nota afirmando que a operação “não foi levada ao vencimento” e que “ao menos as informações divulgadas em relação ao resultado financeiro da operação não foram detectadas”.
Desde então, não houve mais nenhum comunicado em relação aos quatro processos administrativos – todos eles relacionados à troca na presidência da Petrobrás – abertos pela autarquia, responsável por fiscalizar o mercado de ações negociadas em bolsas e fundos de investimento.
Demissão sem justa causa
No mesmo dia 18 de fevereiro, o então gerente-executivo de Recursos Humanos da Petrobrás, Claudio Costa, vendeu 2.800 ações que possuía da estatal, antes da queda nos preços, o que gerou um lucro de R$ 25 mil.
A transação, confirmada por Costa, se enquadra no crime de “insider trading”, que consiste em utilizar informação privilegiada de uma empresa para lucrar no mercado financeiro. Devido à divulgação do balanço financeiro da Petrobrás do 4º trimestre de 2020, que ocorreu no dia 24 de fevereiro, estava vedada desde o dia 9 de fevereiro (15 dias antes) a negociação de ações da empresa por acionistas controladores, diretores, integrantes do Conselho de Administração e funcionários com funções técnicas ou consultivas.
Com isso, no dia 29 de março, a Petrobrás soltou um comunicado à imprensa no qual informava a demissão de Costa devido ao episódio, que classificou como “pontual”. Entretanto, um mês depois, no dia 28 de abril, o Conselho de Administração da companhia decidiu que o desligamento não seria feito por justa causa.
A Federação Única dos Petroleiros (FUP), que reúne 13 sindicatos de petroleiros do país, recebeu com indignação a decisão. “Se o caso, gravíssimo, envolvesse qualquer outro empregado da Petrobrás, o desligamento se daria por justa causa. Para peão, marreta na cabeça. Para a alta administração, tapinha de leve. Será, portanto, rasgar princípios éticos da Petrobrás e mostrar que a governança da empresa não é respeitada”, afirmou o coordenador da FUP, Deyvid Bacelar.
A disparidade de tratamento por parte da Petrobrás também é destacada pelo diretor do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP), Gustavo Marsaioli: “Na greve do ano passado tivemos um operador que foi punido por não cumprimentar um pelego, com 10 dias de punição. O Deyvid foi punido por criticar as atitudes do Castello Branco, com 29 dias de suspensão. É surpreendente a empresa agir com esse rigor com trabalhadores e isentar uma pessoa que reconhecidamente praticou um crime financeiro”.
A impunidade, todavia, parece não ser exclusiva da estatal. Tornada crime em 2001, a prática de insider trading prevê pena de reclusão de 1 a 5 anos e multa de até três vezes o montante da vantagem obtida ilicitamente. Desde então, após duas décadas, houve apenas uma condenação na esfera criminal, na oferta da Sadia pela Perdigão, que não resultou em prisão.
De acordo com levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de 2008 a 2018, a CMV abriu 54 processos contra 158 acusados de insider trading, que resultaram em 66 condenações administrativas.
Denúncias
Em novembro do ano passado, com base em documentos e áudios, a FUP protocolou representação civil e criminal contra Claudio Costa, que se converteu em inquérito civil, atualmente em trâmite no Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ). As denúncias estão relacionadas a supostas irregulares lideradas envolvendo a troca do modelo de gestão do plano de saúde suplementar dos trabalhadores da Petrobrás.
Costa foi quem liderou a substituição do modelo de autogestão da Assistência Multidisciplinar de Saúde (AMS), por uma entidade associativa denominada Associação Petrobras de Saúde (APS), vinculada a operadoras de planos de saúde.
Em dezembro do ano passado, também foi protocolada pela FUP denúncia sobre o tema no Tribunal de Contas da União (TCU), que instaurou processo. Já neste ano, em janeiro, foi proposta ação civil pública pedindo ressarcimento aos empregados e aposentados do Sistema Petrobrás e anulação dos atos jurídicos tomados pelo Conselho de Administração da companhia na mudança das entidades de assistência médica