Os desafios do Sistema Petrobrás para alcançar a equidade racial

Da Imprensa do Sindipetro-MG – O percentual de pessoas negras (pretas e pardas) que trabalham no Sistema Petrobrás passou de 14,3%, em 2008, para 31,7%, em 2023, desse total 22% ocupam cargos de liderança, segundo levantamento do Dieese/FUP. Os dados mostram que mesmo com os avanços na equidade racial na empresa, ainda há um fosso que separa os trabalhadores negros dos não negros em relação às desigualdades na carreira.

Para se ter uma ideia, o cargo de gerente-geral de uma refinaria brasileira somente foi ocupado por uma mulher negra quase 70 anos depois da criação da Petrobrás. Em julho de 2023, a engenheira Márcia Cristina Andrade foi a primeira petroleira negra a assumir a liderança da Refinaria de Capuava (Recap), em Mauá, São Paulo.

Em agosto, do mesmo ano, a gerencia-geral da Refinaria Gabriel Passos (Regap) passou a ser comanda por um homem negro, o engenheiro Edmilson Ferreira dos Santos. “Esse fato gerou surpresa e expectativa. Quando nós, negros, nos vimos representados, enxergamos mais possibilidades de ocupar espaços de liderança”, opina o operador do Coque, Sidnei Nascimento, que trabalha há 16 anos na Regap. Ele é um dos inscritos da área de refino no Programa Negritudes de mentorias sobre liderança destinado aos trabalhadores negros. Confirmando as estatísticas, ele conta que a maior parte dos chefes que ele convive na empresa são pessoas brancas.

Com o objetivo de aumentar a diversidade, combater a discriminação e fortalecer o letramento racial foi lançado, em 2023, o programa de Equidade Racial da Petrobrás, com a meta de alcançar um percentual de 25% de pessoas negras em cargos de liderança até 2030. O professor Luis Fernando Silva Andrade, da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, que trabalha com estudos organizacionais que contemplam raça e diversidade, avalia que a iniciativa da Petrobrás é positiva, mas acredita que a meta anunciada é pouco ousada.

“Os programas para a equidade racial são importantes, no entanto é preciso monitorar ao longo do tempo e verificar a eficácia das ações, para não ser só uma maquiagem num problema que é difícil de avançar porque tem raízes na herança escravagista”, opina. Segundo ele, o combate ao racismo é um problema de toda a população brasileira e não só dos negros, assim como a responsabilização não pode ser somente uma questão individual. “A conscientização pode ser trabalhada, no entanto sem políticas públicas não há avanços concretos. O aspecto político é central”, complementa.

O programa de equidade racial da Petrobrás também inclui recomendações de boas práticas para fornecedores, incentivando a promoção da diversidade racial e combate à discriminação em toda a cadeia produtiva. Guilherme Alves, coordenador-geral do Sindipetro/MG, lembra que os contratados, boa parte formada de pretos e pardos, são os que mais sofrem os efeitos das desigualdades econômicas e raciais, com menores salários e piores condições de trabalho. “Os avanços na questão racial devem ser estendidos aos contratados, com melhorias concretas e garantias nos contratos. A Petrobrás tem a sua responsabilidade social, com condições de avançar na reparação das injustiças históricas e melhoria das relações de trabalho”, opina.

Cotas raciais

O combate ao racismo tem sido pauta da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e seus sindicatos, que conquistaram a criação de um Grupo de Trabalho específico (GT Diversidade). Discutir essa pauta também representa a exigência de salário decente, planos de saúde de qualidade para todos os trabalhadores e familiares, assim como o combate ao assédio contra os companheiros contratados.

Uma das reivindicações da FUP foi a criação do comitê de heteroidentificação racial para cota de raça nos processos seletivos. Em relação às ações afirmativas, fruto da luta histórica do movimento negro, a Petrobrás passou a adotar, em 2018, cotas para a entrada de candidatos e candidatas negras nos concursos públicos. Reservando o percentual de 20% das vagas, conforme a legislação (Lei 12.990/14), para os que se autodeclaram pretos ou pardos nos cargos/polos de trabalho com número de vagas igual ou superior a três.

A técnica de operação Maísa Sá é uma das novas contratadas da Petrobrás pelo sistema de cotas raciais no concurso de abril de 2023. Nascida na Bahia, aos 21 anos ela atua na Usina Termelétrica de Ibirité (UTE- IBT), sendo a única mulher negra da equipe. Ela destaca o seu papel de pioneirismo racial desde a infância e a força simbólica de estar em lugares que a maioria das pessoas negras não consegue alcançar.

“Era a única menina negra na escola particular e uma das poucas no Instituto Federal onde estudei automação industrial, em Salvador. Atribuo as minhas conquistas às oportunidades proporcionadas pelos meus pais, que são negros e doutores”, relata. Maísa também ressalta a importância das cotas raciais e das políticas públicas que contribuem para aumentar o nível de educação e renda da população. “Quero me dedicar à conclusão do curso superior de engenharia e me sentiria mal se o fato de ser negra fosse uma barreira para eu crescer na carreira”, afirma.

O professor Luiz Fernando comenta que nem sempre as vagas reservadas por cotas são preenchidas, havendo a necessidade de melhorar também as condições de acesso aos processos de seleção. “No Brasil, a pobreza tem cor, atingindo em maior proporção pessoas pretas e pardas. Sem esquecer que a branquitude atua como cartão de passe”, opina.

Para o petroleiro Sidnei Nascimento, começar a trabalhar na Petrobrás foi um marco geracional. Ele conta que o seu avô era trabalhador rural e o pai um operário que criou dez filhos.com dificuldades “Nunca vou me esquecer da minha origem de família negra e periférica. Quando entrei na Petrobrás, a minha casa não era nem murada, hoje todos temos curso superior e casa própria. Acredito que o meu filho não terá que passar pelos mesmos desafios que passamos, principalmente as situações de discriminação e racismo que todos os negros passam”, desabafa.