Pacto pela Democracia e eleições limpas: faltou a conexão com Lula

Celso Marcondes*

“Defender sobre esses marcos as instituições e práticas democráticas e produzir eleições limpas, diversas e com ampla participação em outubro, capazes de efetivamente representar a cidadania e devolver as bases de confiança e legitimidade ao ambiente político”. Esse é um dos três objetivos do “Pacto pela Democracia”, apresentado em evento na quarta-feira (13), no auditório da Bienal de São Paulo. Convidado por um grande amigo fui lá conferir a simpática iniciativa numa noite fria e sob garoa.

Criado por mais de 60 entidades da sociedade civil, entre elas, o Instituto Ethos, a Conectas Direitos Humanos, o Idec, o Instituto Sou da Paz, a Frente Favela Brasil e a Rede Nossa São Paulo, o movimento apresentou seu Manifesto e chamou a novas adesões. Presentes, cerca de 150 pessoas, entre elas, alguns parlamentares ou candidatos de um amplo leque de partidos políticos – Rede, PSB, PPS, PV, PDT, Novo, PSOL, PT e PSDB. No palco, democratas respeitados, como Oded Grajew, Jorge Abrahão, Beto Vasconcelos e Ricardo Young.

Além da defesa de “eleições limpas”, indispensáveis diante do gravíssimo momento que o país atravessa, o “pacto” tem outros dois objetivos nobres:

“reafirmar o diálogo, a tolerância e o repúdio pleno a todas as formas de discriminação e violência na ação política” e “realizar uma ampla reforma política após as eleições, abrindo o caminho para sair da crise melhores do que antes, no rumo reafirmado da construção do país que precisamos”.

As três metas logo me pareceram extremamente pertinentes, mas ficou a impressão que eram genéricas demais. Na abertura do evento, mais de dez representantes das entidades se revezaram no palco. Várias delas para destacar a necessidade de renovação no Congresso Nacional. Uma aspiração essencial, pois o que já é péssimo tem grande tendência de piorar.

Porém, o que mais me chamou atenção nos discursos foi a ausência de uma palavra que me é cara: “Lula”. Ela só foi proferida pela diretora-executiva da Conectas Direitos Humanos, Juana Kweitel. Apenas ela, que é argentina, fez a ligação entre democracia, eleições limpas e Lula, líder em todas as pesquisas, injustamente preso. Para todos os demais oradores e no texto do Manifesto defensor de eleições limpas, o assunto passou batido.

Minhas surpresas iriam aumentar no dia seguinte (14) ao me deparar com um artigo assinado por Maria Alice Setúbal, na Folha de S.Paulo. Educadora e herdeira do Itaú, ela faz a apresentação do “pacto”, do qual é apoiadora. Em seu texto, como no Manifesto, não só inexiste Lula preso. Também não teria havido um golpe parlamentar em 2016, mas sim essa singular definição: “uma acirrada luta por posicionamentos que desaguaram no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e em uma sociedade cindida”.

Para complicar, o texto parte da constatação que vivemos “uma crise sem precedentes”, mas em nenhum momento nem sequer cita o governo Temer e suas responsabilidades pelo caos atual. Lacuna significativa também surge ao final do artigo, quando a autora explica que o “pacto” é integrado por entidades que não compactuam “com as visões extremadas, segregacionistas e antidemocráticas”.

Setúbal não identifica quais são as tais “visões extremadas” ameaçadoras da democracia. Não há qualquer alusão aos defensores de uma intervenção militar, nem ao candidato da extrema-direita fascista, Jair Bolsonaro. Deixa em aberto a ideia que também estamos ameaçados por “extremistas” de esquerda.
Com essas ausências, a justa iniciativa das 60 respeitáveis entidades por um agrupamento democrático e plural corre o risco de ficar tão anódina que sirva de referência apenas para candidatos já conhecidos por tergiversar ou optar pelo silêncio nos momentos críticos. Corre o risco de seduzir somente os carentes de um autodenominado “centro”.

* Celso Marcondes é jornalista. Publicado originalmente pela Rede Brasil Atual (aqui).