Da Imprensa do NF – Os homens precisam conversar mais entre si sobre o que significa ser homem. E não no sentido proposto por movimentos conservadores de reafirmação de uma postura patriarcal, como tem sido estimulado entre alguns grupos reacionários e ou religiosos. O desafio é justamente o oposto: entender as possibilidades de novas masculinidades.
A necessidade foi debatida em mesa que durou duas horas neste final de tarde no 18º Confup (Congresso da Federação Única dos Petroleiros), o evento nacional de uma categoria eminentemente masculina e que também se sente desafiada a enfrentar a pauta sobre o que é ser homem na atualidade. Somente na Petrobrás, dos cerca de 57 mil empregados, 48 mil são homens, de acordo com dados de 2019.
Moderada pelo diretor do Sindipetro-NF e da FUP, Tadeu Porto, a mesa contou com as exposições de Ruth Venceremos, artista drag queen do Distrito Drag e do coletivo LGBT Sem Terra, do petroleiro aposentado Hermes Rangel, facilitador do programa “E agora José?”, e do advogado e gestor de projetos culturais, Gustavo Seraphim, idealizador do “Fio da Conversa”, uma iniciativa que investiga os fazeres manuais têxteis e as masculinidades.
Combate ao patriarcado
“Na atualidade, discutir masculinidade é um exercício necessário para avançarmos na discussão de novas relações sociais e de gênero. Para isso é imprescindível que os homens possam conversar entre si sobre diversas questões que envolvem as relações patriarcais de gênero e de como estas implicam na manutenção de um sistema de opressão masculina”, defende Ruth.
Ela avalia que os homens também devem pensar os papéis de gênero, provocando-se a enfrentar questões como “o que é ser homem nessa sociedade”, “qual o papel dos homens nas relações patriarcais de gênero” e “o que são as novas masculinidades”.
Ruth, que atua como artista em Brasília e teve grande protagonismo nas eleições de 2018 — quando comparecia como drag queen nas manifestações para colocar a pauta identitária em questão — associa a sua luta ao combate ao próprio capitalismo, e elogiou a iniciativa dos petroleiros em colocar o tema em debate. “No fundo estamos discutindo que sociedade queremos. Temos que combater o patriarcado, mas também temos que combater o capitalismo que utiliza o patriarcado como forma de se manter. E essa discussão é coletiva, por isso é importantíssimo quando um coletivo tão importante para o país, como o dos petroleiros, faz essa discussão”, disse.
A artista e militante levantou temas como a divisão de tarefas domésticas — “a gente sabe que não cai o pinto se lavar o prato”, provocou —, o modo como a maioria dos homens ainda vêem as mulheres — “é tida como objeto, ora santa, ora puta” — e desafiou os homens a fazerem uma autocrítica, defendendo que é papel masculino refletir sobre os privilégios que ainda mantêm na sociedade.
Para ser humano
Esta necessidade de conversar sobre masculinidades também foi defendida por Gustavo Seraphim, que se apresentou com tendo lugar de fala na condição de “homem cis [cisgênero, que se apresenta e se identifica com o seu gênero biológico], heterossexual, branco e de classe média”. Para ele, este diálogo é vital até mesmo para os próprios homens.
“Essa masculinidade tida como hegemônica, esse estereótipo de masculinidade, é prejudicial não apenas para as mulheres, para os homens homossexuais, para toda a comunidade LGBTQ+, mas também para os próprios homens, que acabam tendo que se encaixar dentro desse estereótipo, uma armadilha que aprisiona esses homens dentro de uma caixa de padrões pré-definidos e impossibilitam uma diversidade maior de possibilidades de ser homem. Principalmente dificulta uma possibilidade de ser humano mesmo”, defende Seraphim.
O projeto “Fio da Conversa”, que funciona desde o início de 2019 em Curitiba, reúne homens em ciclos para aprenderem a fazer tricô, enquanto conversam sobre a condição masculina na sociedade. A proposta é quebrar os estereótipos sobre ser homem. “Não há uma masculinidade, há masculinidades. O que há é um padrão hegemônico que tem sido construído há muito tempo, que chega a nós como única possibilidade de existir como homem”, complementa Seraphim.
Programa “E agora, José?”
Hermes Rangel, que é diretor do Sindipetro Unificado de São Paulo, expôs a experiência do programa “E agora, José?”, em Santo André (SP), que atende a homens encaminhados pela Justiça por terem praticado violência de gênero. O projeto nasceu como resposta ao previsto no artigo 35 da Lei Maria da Penha, que determina a criação de centros de educação para homens que sejam condenados por violência de gênero.
“O programa existe desde 2014, começou com o atendimento a 27 homens. Hoje já são mais de 300 homens atendidos. E nenhum deles retornou para o grupo. Então, em tese, a gente acredita que eles estão repensando as suas masculinidades, as suas violências. Pelo menos saíram do programa com alguma motivação, com algum questionamento para tomarem cuidado com as suas atitudes”, explica.
O programa prevê 26 encontros: dois para entrevistas individuais, 20 em grupo, e quatro quadrimestrais após o encerramento para avaliação sobre como os homens estão se sentindo e se comportando. Atualmente, em razão da pandemia, os encontros estão sendo realizados em três salas virtuais, com dois facilitadores em cada uma delas.
Confira a íntegra da mesa: