Para desonerar combustíveis, MP de Bolsonaro poderá cortar 85 mil empregos

Como compensação pela suspensão do PIS/Confins sobre o diesel e gás de cozinha, governo federal editou medida provisória que retira isenção para a indústria química; entidades do setor apontam perdas de arrecadação e postos de trabalho

Por Guilherme Weimann, do Sindipetro-SP

Em meio a queda de popularidade, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem se voltado nos últimos meses ao fortalecimento de sua base de apoio. Dentro dela, um setor importante tem demonstrado um crescente descontentamento com os constantes reajustes dos preços dos combustíveis realizados pela Petrobrás: os caminhoneiros.

Como forma de amenizar essa insatisfação, Bolsonaro publicou um decreto, no dia 1º de março, zerando as alíquotas de contribuições do PIS/Cofins que incidiam sobre a comercialização e importação do diesel e do gás de cozinha. A isenção ocorreu por dois meses – durante março e abril – para o diesel e se tornou permanente para o gás de cozinha.

Entretanto, devido à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o governo federal editou uma medida provisória (MP) para compensar a perda de arrecadação com o aumento da tributação em outros setores. Por isso, a MP 1034 elevou de 15% para 25% a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para instituições financeiras, entre julho e dezembro de 2021; limitou a R$ 70 mil a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a compra de veículos novos por pessoas com deficiência, também entre julho e dezembro deste ano; e revogou o Regime Especial da Indústria Química (REIQ) a partir de julho.

Especificamente em relação ao último ponto, a MP extinguiu a desoneração das alíquotas de PIS/Cofins referentes ao nafta e outros produtos utilizados como matéria-prima na cadeia produtiva da indústria petroquímica, que vigoravam desde 2013.

De acordo com o técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) na subseção da Confederação Nacional dos Químicos (CNQ), Douglas Meira Ferreira, o REIQ foi criado pelo governo da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), com o objetivo de alavancar o setor químico dentro das atribuições do Plano Brasil Maior.

“Em grande medida, era uma decisão para aumentar a competitividade da indústria química brasileira, um setor bastante deficitário na balança comercial. De 2013 até 2016 conseguimos diminuir o déficit do setor. As atividades econômicas, em geral, contribuíram para o cenário. Com a crise econômica e política, que culminou no golpe, voltamos à tendência de aumento de importações do setor químico”, explica.

Queda na arrecadação e perda de empregos

Entre 2013 e 2016, devido à implantação do REIQ, o déficit na balança comercial brasileira do setor químico caiu de R$ 32 bilhões para R$ 22 bilhões, respectivamente. “O Plano Brasil Maior já previa que a alíquota de PIS/Cofins retornaria ao patamar das outras atividades econômicas progressivamente. Isso favorecia o planejamento produtivo e dava segurança tanto às empresas quanto aos trabalhadores. Era uma política macroeconômica mais estruturada”, recorda.

Para além do saldo negativo deixado na balança comercial, o fim dos incentivos previsto no REIQ pode ocasionar queda na produção, diminuição da arrecadação – o que vai de encontro com a lógica de compensação prevista da LRF – e perda de empregos.

De acordo com estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), encomendado pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), o fim do REIQ ocasionará uma redução de 7% da produção e, consequentemente, uma perda de R$ 1,7 bilhão na arrecadação do PIS/Cofins – o que pode gerar um déficit final de R$ 300 milhões ao Estado, já que o governo prevê arrecadar R$ 1,4 bilhão com o fim dos incentivos.

Além disso, a FGV estima o fechamento de 85 mil postos de trabalho, o que representaria uma queda de 7% das vagas no setor. De acordo com os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia 1.193.248 pessoas empregadas em 2019.

“É um setor que vem performando bem na crise, gerando postos de trabalho. Foi considerado serviço essencial e grande parte dos insumos necessários ao combate à pandemia são oriundos da indústria química. A queda de empregos na indústria é sempre uma questão preocupante, são empregos de remuneração acima da média e com atividades de relevante valor agregado ao PIB. É trágico o abandono desses trabalhadores, isso prejudica o mercado de trabalho em geral”, opina.

No dia 26 de abril, a Mesa Diretora do Congresso Nacional prorrogou o prazo de validade da MP por 60 dias, que termina no dia 28 de junho. Até lá, a MP precisa ser votada pela Câmara e pelo Senado, caso contrário perderá a validade.

O técnico do Dieese faz uma ressalva que, mesmo se o Congresso aprovar a MP, a indústria do setor não deveria impor os prejuízos aos trabalhadores, assim como não foram repassados os ganhos com os incentivos.

“O REIQ vem contribuindo, em certa medida, para um cenário mais favorável do setor industrial desde 2013. No entanto, sempre existiu a preocupação do movimento sindical em conseguir reverter esse incentivo tributário em geração de empregos e reinvestimento na produção, o que não necessariamente aconteceu”, aponta.

O setor químico é considerado a “mãe” de todas as indústrias, por funcionar como um efeito cascata em todo o restante da cadeia industrial. Por isso, o fim das isenções de PIS/Cofins pode ocasionar aumentos nos preços e diminuição na disponibilidade de produtos que vão desde a agricultura, passando pelo ramo automotivo, até chegar na produção de insumos hospitalares e farmacêuticos.

Política de preços dos combustíveis

Apenas no acumulado deste ano, as refinarias da Petrobrás realizaram aumentos de 41,44% na gasolina, 33,9% no diesel e 17,9% no botijão do gás de cozinha. Estes reajustes são resultado do preço de paridade de importação (PPI), um cálculo utilizado desde 2016, que vincula os preços praticados pela estatal à variação internacional do barril de petróleo e à cotação do dólar.

As medidas paliativas adotadas por Bolsonaro, entretanto, não surtiram efeito sobre o consumidor final. De acordo com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o preço do diesel vendido ao consumidor subiu de R$ 3,95, no final de fevereiro, para R$ 4,20, no final de abril – período que vigorou a isenção de PIS/Cofins. Também neste intervalo, o gás de cozinha aumentou de R$ 79,69 para R$ 85,01.