Petroleiros produzem petróleo, frutas e flores em plataforma da Bacia de Campos

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Vitor Menezes / Da Imprensa do NF – Em operação desde 2007, a P-52, primeira plataforma a ser construída sob encomenda da Petrobrás no primeiro governo Lula, está localizada a 125 quilômetros da costa do estado do Rio e produziu, em janeiro passado, 54.144 barris de petróleo por dia, de acordo com boletim da ANP (Agência Nacional do Petróleo e Biocombustíveis). A unidade também produz pitanga, ora-pro-nóbis e muitas flores. Uma delas, a dama da noite, conserva a lenda especial de florescer apenas uma vez por ano.

O petróleo vem dos poços e é processado pelos equipamentos e meios tradicionais de uma plataforma. A pitanga, o ora-pro-nóbis e as muitas flores vêm do Jardim Mestre Isaías Vernetti, em uma história que começa em 2011.

— Que tu acha deu começar a fazer uma mesa com essas pranchas de andaime que vão ser descartadas?

A plataforma estava em obras. Todo o piso do refeitório precisou ser trocado e colocaram algumas mesas comuns numa área externa. Então o mestre de cabotagem Isaías fez a pergunta ao gerente da unidade.

— O geplat autorizou e comecei a fazer a mesa, eu e o Marcelo Pedro. Fizemos a primeira mesa, foi um sucesso. Depois o refeitório ficou pronto. Mesmo assim eu falei com o chefe: posso fazer outra?

A autorização foi dada. Novas doações de pranchas de madeira permitiram a construção de outra mesa, maior, octogonal, até chegar o dia em que foi um chefe que falou:

— Bem que podia ter uma cobertura, né?

E teve.

Assim começou a surgir um lugar aconchegante de integração, que passou a ser usado pelos petroleiros e petroleiras para os cafés da manhã, almoços, jantares e confraternizações. Tudo em uma estética rústica que lembra uma casa de campo ou de praia, em contraste com o aspecto industrial e metálico de uma plataforma.

— O pessoal a bordo adora. Diz que quebra o embarque.

Isaías, devidamente pilchado: marceneiro, jardineiro, churrasqueiro e mestre de cabotagem

O evento mais concorrido é o churrasco da quarta-feira à noite, que por 16 anos Isaías fez devidamente pilchado, vestido com a roupa tradicional gaúcha, com total legitimidade. Gaúcho, 51 anos, mora em São Lourenço do Sul (RS) com o filho Thor Maharaj Seepersad Vernetti da Silva, garoto indiano de 12 anos que nasceu em meio às muitas viagens do petroleiro pelo mundo — e que o surpreendeu dia desses dizendo ser fã do Led Zeppelin.

Um dia Isaías percebeu que estava faltando alguma coisa. Lembrou do pai, Jorge Gama da Silva, falecido em 2017, que também trabalhou embarcado e gostava muito de plantas. Lembrou também de um certo japonês que, numa das suas viagens ao Japão, disse em um inglês muito bruto que os brasileiros eram “burros” porque não plantavam em casa — “Japão é pequeno, aqui plantamos em casa”.

Outra influência foi cientista suíço Ernst Götsch, que migrou para o Brasil nos anos 1980, para o sul da Bahia, para colocar em prática a sua teoria de que, ao contrário de investir em melhoramento genético das plantas, a humanidade deveria olhar mais para o funcionamento das florestas e perceber como as culturas interagem — combinando o cultivo de verduras, raízes, grãos e árvores frutíferas em um mesmo local.

Foi neste mesmo ano da partida do pai que o petroleiro começou então a deixar roupas na plataforma, para economizar espaço na mochila, e a embarcar levando sacos de terra e mudas de plantas. Às vezes a segurança patrimonial estranhava, mas acabava autorizando. Com seis meses, as primeiras flores começaram a aparecer. Hoje, tem de quase tudo.

— Onze horas se adapta muito bem em plataforma, tem também uma que uns chamam de gadanha, outros de olho de gato, que é uma flor bonita. Tem girassol, plantei muito lá, girassol vermelho, muito lindo. A dama da noite, ora-pro-nóbis, capuchinhas, pitangueira, todo ano dá Pitanga na P-52. Enche de flor e depois enche de fruta. Plantei romã, babosa, azaleia.

Abacateiro não gosta de mar

Mas, como acontece com os humanos, nem toda planta gosta de vida de embarcado. O abacate parece preferir a terra firme. E não foi por falta de aviso. Quando Isaías se empolgou e plantou uma muda da árvore a bordo, o enfermeiro Edécio Amaral deu o alerta.

— Ó, você plantou abacate. O pé nasceu já [estava com meio metro]. Mas te digo que não vai dar abacate aqui no meio do mar. Se der eu pago R$ 50,00 por cada fruta.

De fato, o abacateiro não se desenvolveu e o bolso de Amaral ficou protegido. Os petroleiros, como na letra de Gilberto Gil, acataram o ato. Outra planta frutífera que também não vigou foi o abacaxi. Pelo visto, há limites.

Em teste está uma bananeira, vistosa já, que está a bordo em razão de um desafio em plena pandemia de Covid-19, quando os petroleiros cumpriam um isolamento no hotel antes do embarque. Aconteceu de Isaías e o colega Fabiano Souza perceberem que faziam aniversário no mesmo dia, 16 de outubro, e o primeiro pediu um presente:

— Bah, Souza, eu quero te pedir um presente, cara.

— Pode pedir. Pode pedir que eu levo para a plataforma.

— Sabe aquele teu sítio em Campos [dos Goytacazes].

— Sei.

— Me traz uma muda de bananeira.

— Não, mestre, tá de sacanagem.

— Tu deu a palavra. Vai arregar?

— É brincadeira. Não acredito. Nós estamos na pandemia. Eu vou ficar com uma bananeira num quarto de hotel por dois dias?

— Tu deu a palavra, né?

E de fato o colega Souza apareceu na plataforma com uma muda de bananeira, cumprindo a palavra de que levaria o presente de aniversário para Isaías.

— Não deu cacho ainda, mas tá lá.

O que vai, volta

Nem sempre o Jardim Mestre Isaías Vernetti ostentou esse nome. A plaquinha de madeira foi colocada no final de 2023, quando ele mudou de empresa e precisou deixar a plataforma. Foi uma homenagem dos colegas petroleiros que ficaram, e que fizeram mais: organizaram uma vaquinha para ajudar Isaías no período de Natal, quando ainda estava na transição de emprego. Mandaram um pix de R$ 3 mil no dia 24 de dezembro. Depois enviaram uma faca de churrasco personalizada.

— Considero o pessoal da P-52 uma família. O pessoal é demais.

Isaías segue o princípio segundo o qual tudo o que se faz para o outro, volta. De bom ou de ruim. Então é preciso espalhar o bem. E ele tem feito isso não apenas nos seus locais de trabalho. Na sua cidade, também.

No dia 28 de fevereiro passado, a Câmara de Vereadores de São Lourenço do Sul enviou um “Certificado de agradecimento” a Isaías. A homenagem foi feita porque o mestre de cabotagem enfrentou “com bravura”, “as águas do Rio Camaquã, a fim de restabelecer o fornecimento de energia elétrica em nosso município”.

Foi em uma enchente há alguns anos. O rio subiu tanto que destruiu pontes, casas e torres de transmissão. Os técnicos da companhia elétrica não conseguiam acessar os locais onde havia necessidade de manutenção, para o retorno do fornecimento. Isaías se prontificou, junto com um sobrinho, a pilotar o barco em meio à correnteza e aos galhos de árvores para levar os profissionais. Fizeram o trabalho voluntário por dois dias e a energia foi restabelecida.

Mesmo que não retorne à P-52, e sua vida profissional o leve por outros caminhos, mestre Isaías estará para sempre na plataforma. Em cada pitanga, em cada flor e, quem sabe, em cada cacho de banana. E a unidade seguirá produzindo petróleo e afetos por muitas gerações.

 

[Fotos: Acervo pessoal / Isaías Vernetti]