Vinicius Konchinski / Do Brasil de Fato – Há exatamente 25 anos, num leilão realizado em 6 de maio de 1997, o governo brasileiro vendeu a maior parte de suas ações da até então estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). O negócio envolveu, na época, cerca de R$ 3,3 bilhões. Transferiu o controle da companhia do governo para um grupo de empresas privadas e fundos de pensão.
O valor da venda, àquela época, já era motivo de protestos. Sua defasagem ficou mais evidente após a CVRD, depois renomeada Vale, multiplicar seu valor e seu lucro explorando reservas ainda não precificadas.
Levando em conta o preço das ações da Vale vendidas pelo governo no leilão de 1997, a companhia valia, ao todo, R$ 12,5 bilhões naquela época. No mês passado, o valor de mercado da mesma companhia era de R$ 452 bilhões, segundo um estudo da consultoria Economatica realizado a pedido do G1 – valorização de mais de 3.500%.
Só no ano passado, a Vale lucrou R$ 121 bilhões – quase dez vezes o que o governo dizia que ela valia em 1997. O ganho foi o maior já registrado por uma empresa brasileira na história, também segundo a Economatica.
Em 2021, a empresa distribuiu a seus acionistas mais de R$ 73 bilhões em dividendos (participação nos lucros). O governo, que vendeu seu controle da Vale por 2,4% disso, não foi beneficiado.
Hoje, o maior acionista da Vale é o fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil, o Previ, e fundos de investimento estrangeiros.
O governo ainda mantém a chamada “golden share”, ou seja: pode vetar mudança da sede e venda de bens, por exemplo. Não tem, entretanto, participação acionária importante.
“Já na época da venda, havia gente estimando que a Vale valia até R$ 100 bilhões. O preço da privatização foi subestimado”, afirmou Luiz Paulo Guimarães, coordenador nacional do Movimento pela Soberania na Mineração (MAM). “Hoje, a empresa tem lucro recorde e o governo não tem retorno com isso.”
“Independentemente do valor, alguém sabe para onde foi esse dinheiro? Ninguém”, complementa a economista e professora da Universidade Federal da Paraná (UFPR), Liana Carleial. “O Estado perdeu receita e poder de investimento a troco de nada.”
Não é só sobre economia
Guimarães, do MAM, disse ainda que a perda do Estado brasileiro com a venda da Vale vai muito além da econômica. Segundo ele, a privatização marcou o fim da participação e controle estatal sobre a mineração no país.
Ele lembra que a Constituição de 1989 proibia que empresas com capital estrangeiro explorassem minérios no Brasil. Isso mudou com a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em 1995. Essa PEC “preparou o terreno” para a venda da Vale, disse Guimarães. Em 1997 a empresa foi privatizada sob interesses de investidores internacionais.
“A partir da privatização da Vale, o Estado deixou de ser o explorador dos recursos naturais do país. Ele virou um mero concessionário de direitos a empresas”, afirmou.
Essas empresas visam o lucro acima de tudo. Segundo Guimarães, aliás, a Vale é uma das mais dispostas a ignorar direitos na busca por dinheiro.
Em 2012, foi escolhida a pior empresa do mundo em votação promovida por organizações como Greenpeace e Declaração de Berna.
Em 2015, uma barragem de rejeitos da Samarco Mineração, empresa na qual a Vale tem participação, se rompeu em Mariana (MG), deixando 19 mortos e centenas de desabrigados. O Rio Doce, que passa por ali, foi contaminado.
Já em 2019, rompeu-se uma barragem da própria Vale em Brumadinho (MG). O desabamento matou 265 pessoas. Cinco ainda estão desaparecidas.
“É só olhar para essas tragédias e ver que a privatização foi ruim”, afirmou Carleial. “Não é questão econômica que supere isso.”
“A privatização foi um péssimo negócio”, concluiu Guimarães. “A lucratividade hoje impera sobre tudo e os resultados estão aí”
Procurada pelo Brasil de Fato, a Vale não se pronunciou.
[Foto: Cruzes representam os mortos pela tragédia da Vale, em Brumadinho (MG), durante ato em memória das vítimas – Gil Leonardi / Imprensa MG]