Refinaria privatizada paralisa unidade e pode faltar diesel no Nordeste

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no whatsapp

[CUT] Um navio carregado com grande volume de petróleo para abastecer a antiga Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, não conseguiu atracar porque seu calado é maior do que comporta a profundidade da região. A Acelen, controlada pelo fundo Mubadala, dos Emirados Árabes, assumiu no dia primeiro de dezembro as operações da antiga RLAM, vendida pela Petrobras.

“Esta incompetência já provocou a parada de uma unidade importante, o segundo maior pulmão da refinaria, que abastece outras unidades de produção da RLAM. Somente isso (atraso no escoamento da carga) já vai provocar redução na produção de diesel no mercado baiano e nordestino”, afirma Deyvid Bacelar,  diretor do Sindipetro Bahia, lotado na RLAM desde 2006. Ele também é coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP).

Procurada, a Acelen informou à Agência Nossa que “a refinaria segue operando de forma otimizada sem representar riscos de abastecimento ao mercado”.

A solução seria transferir a carga de óleo para navios menores, em alto mar, uma operação conhecida como ship-to-ship. Mas  há necessidade de licenças ambientais, pois trata-se de uma manobra que traz risco de vazamento em grandes proporções. A Acelen confirma que está em processo para início do escoamento do petróleo do navio por meio deste procedimento.

“A Acelen esclarece que recebe(u) nesta semana o maior navio que já abasteceu a refinaria de Mataripe trazendo 1 milhão de barris de petróleo destinados á produção de combustíveis e derivados. Em função do alto volume, a operação deve proporcionar um significativo ganho de produtividade nas operações da refinaria de Mataripe na Bahia. O procedimento de abastecimento está em andamento através do processo ship to ship, que consiste no transbordo do produto para embarcações menores que acessem os piers locais, completou a empresa na nota enviada à Agência Nossa.

Porém, até o começo desta noite a empresa não havia iniciado efetivamente o procedimento mas estava, sim em “processo para o início do ship-to-ship”.

Uma fonte próxima à operação estima que a produção deve parar porque a previsão de regularização da carga de petróleo é no dia primeiro de fevereiro. Até lá, segundo a fonte, a refinaria não tem autonomia para continuar operando, mesmo a nível mínimo e com apenas uma unidade de destilação em funcionamento. O navio devia ter começado a escoar o petróleo para a refinaria no dia 24, segunda-feira.

“Já está havendo e haverá ainda maior impacto para os consumidores aqui do Nordeste. A refinaria se mantém em grande inconstância na sua operação por conta de os insumos terem dificuldade de chegar no terminal Madre de Deus”, afirma Bacelar, que também é coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP).

As fontes explicam que a Acelen decidiu trazer petróleo do exterior em vez de comprar da Petrobras. Mas os navios superpetroleiros que trazem a carga para o Brasil têm calado superior ao que o terminal na Baía de todos os Santos comporta.

Esse problema poderia ser resolvido com mais agilidade se a empresa tivesse capacidade de logística, com navios e embarcações para fazer transferência em alto mar, mas o contrato de compra da refinaria não teria incluído embarcações, o que já provocou também a interrupção no abastecimento de bunker para navios em Salvador.

“O Sindmar recebeu informações de marítimos a bordo de navios na área do porto de Salvador que a Acelen teria contratado navios. Mas  não teriam feito qualquer operação até a manhã de hoje”, afirmou o presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante, Carlos Augusto Müller.

A operação de transferência de petróleo em alto mar exige licenciamento e a Agência Nossa apurou até o momento que apenas duas empresas além da Transpetro teriam este aval necessário das autoridades. A AET do Brasil, uma empresa cujo controlador final é a Petronas, da Malásia.

A Aratu Serviços Marítimos seria a outra empresa certificada para fazer operações ship-to-ship.

“Em quinze anos trabalhando nesta refinaria nunca vi uma unidade parar por falta de fornecimento de petróleo”, afirma a fonte próxima a operação, que pediu para não ser identificada.

Começou mal

A privatização da primeira refinaria de uma série da Petrobras começou dando munição pesada aos opositores do programa de desestatização do governo Bolsonaro.

Mal iniciou a operação, a nova administração da refinaria de Mataripe deixou sem combustível os navios da região e não há previsão de retomada de abastecimento.

“São coisas que já tínhamos denunciado por conta da constituição desse monopólio regional privado. Por sinal os preços praticados pela Acelen são maiores que os preços praticados pela Petrobras que já são altos segundo o preço de paridade de importação, acima de paridade”, afirma Deyvid Bacelar.

Ship-to-ship para poucas

Em texto explicativo sobre o procedimento ship-to-ship, em seu site,  a Confederação Nacional do Transporte (CNT) informa que somente empresas cadastradas no SNTPP (Sistema Nacional de Transportes de Produtos Perigosos) e no CTF/APP (Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e/ou Utilizadoras de Recursos Ambientais), ambos do Ibama, estão autorizadas a realizar a atividade.

Além do órgão ambiental, a empresa interessada também deve ter autorização fornecida pela Marinha do Brasil, que delibera a área onde poderá ser concretizada a operação. As empresas deverão manter uma embarcação dedicada junto ao local da transferência, com pessoal qualificado para intervenções de emergência, e um kit constituído por barreiras e mantas absorventes de óleo, posicionado próximo à tomada de conexão do mangote (tubo) de transferência de óleo, tanto na embarcação fornecedora como na embarcação recebedora.

Em caso de operações noturnas, é exigida iluminação específica. Caso seja necessário, o armador pode acertar com a empresa prestadora do serviço a adoção de medidas adicionais de prevenção da poluição hídrica.

No Brasil, segundo a CNT, poucas empresas possuem autorizações para realizar a operação. Devido à complexidade das operações e aos riscos que podem ocorrer.

“É uma operação muito delicada e muito perigosa. Para operá-la, é preciso ter experiência. Não é uma operação que qualquer empresa possa fazer, além de existir a questão do investimento, que é alto”, disse, no mesmo texto publicado no site da CNT, a diretora-executiva da ABTL (Associação Brasileira de Terminais de Líquidos) e especialista em engenharia e gestão portuária, Fernanda Rumblesperger.