Uma reportagem exclusiva da Agência Nossa revela que não há previsão de retomada do fornecimento de óleo bunker pela Refinaria Landulpho Alves (Rlam), primeira refinaria da Petrobrás a ter o processo de privatização concluído. O controle da unidade foi assumido pela Acelem, empresa criada pelo grupo Mubadala para gerenciar a planta, cujo nome foi alterado para Refinaria de Mataripe.
A FUP e o Sindipetro-NF vem alertando há tempos que a privatização de refinarias levaria à imposição de monopólios privados regionais, com sérios riscos de desabastecimento de derivados de petróleo e aumento dos preços já abusivos dos combustíveis.
Privatizar só traz prejuízos ao nosso país e aos trabalhadores!
Leia a íntegra da reportagem:
Por Sabrina Lorenzi, da Agência Nossa
A privatização da primeira refinaria de uma série da Petrobras começou dando munição pesada aos opositores do programa de desestatização do governo Bolsonaro.
Mal começou a operar, a nova administração da refinaria de Mataripe (como agora se chama a Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia), deixou sem combustível os navios da região e não há previsão de retomada de abastecimento.
Documentos acessados pela Agência Nossa indicam que até março a situação não deverá ser normalizada. O prazo consta de informações recebidas na semana passada pela agência reguladora responsável pelo abastecimento de combustíveis no País.
A Acelen, controlada pelo fundo Mubadala, dos Emirados Árabes, assumiu no dia primeiro de dezembro as operações da antiga RLAM e do terminal Madre de Deus, vendidos pela Petrobras. O combustível para navios deixou de ser fornecido no mesmo dia. Na véspera, a Petrobras teria anunciado formalmente a interrupção, o que pegou de surpresa as operadoras do setor marítimo.
Descaso e pedido de intervenção
Além da interrupção do abastecimento de bunker, que afetou abruptamente suas atividades, o setor teria ficado sem resposta nem satisfação alguma por parte da Acelen. A entidade que representa as companhias de navegação informou à Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) que não conseguiu fazer contato com a nova controladora da refinaria por mais de uma semana após o começo do problema.
Sem comunicação com a refinaria, o Sindicato das Agências de Navegação no Estado da Bahia (Sindinave) procurou a agência para pedir intervenção, segundo documento datado de 8 de dezembro.
“Essa situação tem gerado e gerará problemas para os navios que demandam os portos da Baía de Todos os Santos pois a falta de fornecimento de bunker provocará cancelamentos, dificuldades de agendamento de navios navios não regulares para transportes de cargas e principalmente para exportação, não deixando de mencionar os navios na cabotagem, forçando os navios a procurar portos alternativas, o que redundará em aumento de frete além de transtornos para muitos navios já têm programada sua escala na baía de todos os santos e que de forma abrupta veem se interromper um serviço de fundamental importância e sem perspectivas de como e quando se normalizará”.
Contando os prejuízos
Após ouvir Petrobras e Acelen, a ANP solicitou na última sexta-feira (17) ao Sindinave que informasse a quantidade de empresas afetadas bem como o aumento de custos e todos os seus prejuízos.
“Diante da urgência do assunto, é importante que a resposta do Sindinave seja encaminhada o mais breve possível a esta agência”.
Procurada pela Agência Nossa, a Acelen disse que não consegue abastecer os navios porque as balsas usadas para fornecer o bunker não foram incluídas no contrato de compra da refinaria. Questionada sobre o motivo de a logística ter ficado de fora da compra, a empresa não respondeu — nem a Petrobras.
Segundo a ANP em resposta à Agência Nossa, as informações levantadas sobre o assunto até o momento indicam que a situação é decorrente de questões comerciais, operacionais e logísticas entre as empresas, “não indicando qualquer problema ou restrição relacionada à produção desse derivado”.
Barberagem ou má fé
“Ou foi barberagem no fechamento do contrato ou foi má fé”, afirmou o coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar.
Para o presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante (Sindimar), Carlos Augusto Müller, a situação pode indicar não ser prioridade da empresa dos Emirados Árabes abastecer o mercado brasileiro. Segundo ele, se fosse, a Acelen poderia adotar uma solução simples como o afretamento de balsas para viabilizar o escoamento do combustível aos navios.
“É só contratar (as balsas). Isso é desculpa. A empresa não está preocupada se vai ter ou não combustível para o mercado brasileiro. Voltamos à situação de 100 anos atrás, quando a British Petroleum fornecia o combustível pelo preço que quisesse, quando quisesse”.
Bacelar e Muller fazem coro ao afirmar que o Brasil está trocando o monopólio estatal do refino por um monopólio regional privado, que não tem preocupação nem compromisso com o abastecimento do mercado interno. O dólar valorizado frente ao real favorece as exportações.
Amostra
“Se as oito refinarias forem vendidas desse jeito teremos o risco de desabastecimento”, afirmou coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep), Gas Natural e Biocombustiveis, William Nozaki.
O desabastecimento de navios não foi o único revés da Acelen em seus poucos dias à frente da refinaria de Mataripe. Assim que a Petrobras anunciou redução no preço dos combustíveis, a empresa disse que não reduziria seus preços e que teria sua própria política.
Mas recuou em seguida, anunciando redução proporcional dos valores cobrados às distribuidoras. Se tivesse divergido da Petrobras provavelmente não enfrentaria concorrência no mercado baiano .
Impacto nos preços
“Um navio trazendo trigo, por exemplo, vai precisar aumentar sua viagem consideravelmente até Pernambuco ou Rio de Janeiro se não puder abastecer em Salvador. O preço do pão vai acabar subindo, assim como o de vários outros produtos por causa do custo do frete”.
Com uma costa extensa, maior que a de muitos países, a Bahia é uma porta de entrada importante, sobretudo, para insumos petroquímicos.
Além da Refinaria Landulfo Alves (RLAM), a Petrobras prevê se desfazer de outras 7, conforme acerto com o Cade, para abrir o mercado de refino do País. São elas: Unidade de Industrialização de Xisto (SIX), no Paraná; Refinaria Gabriel Passos (Regap), em Minas Gerais; Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco; Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná; Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul; Refinaria Isaac Sabbá (Reman), no Amazonas; Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor), no Ceará. A Reman e a SIX já tiveram contratos de venda assinados.
A Refinaria Landulpho Alves (RLAM) foi a primeira refinaria nacional de petróleo. Sua criação, em setembro de 1950, foi impulsionada pela descoberta do petróleo na Bahia e pelo sonho de autossuficiência em combustíveis.
Veja a resposta da Acelen na íntegra
“A Acelen esclarece que os equipamentos e sistemas necessários para o fornecimento de bunker oil a partir do Temadre não fizeram parte dos ativos adquiridos pela Acelen com aquisição da Refinaria de Mataripe. Ademais, esclarece ainda que, os clientes que eram atendidos pela Petrobras a partir do Temadre até 30 de novembro foram comunicados pela própria empresa de que esse atendimento cessaria a nesta mesma data.
O fornecimento de bunker oil para os clientes a partir do Temadre é, e sempre foi, prioridade e objetivo da Acelen.
Por essa razão, estamos avaliando alternativas e realizando os investimentos necessário para iniciar o abastecimento do mercado com a maior brevidade possível.”
Veja a resposta da ANP na íntegra
“A ANP está em contato constante com os agentes econômicos envolvidos, como a própria Refinaria de Mataripe S.A e o Sindicato das Agências de Navegação no Estado da Bahia (SINDINAVE). Foi realizada uma reunião com a Refinaria e também enviados ofícios a ela e ao Sindicato solicitando mais informações, que ainda se encontram dentro do prazo para resposta. A partir dessas respostas, a ANP irá analisar a situação e definir as ações cabíveis.
As informações levantadas sobre o assunto até o momento indicam que a situação é decorrente de questões comerciais, operacionais e logísticas entre as empresas, não indicando qualquer problema ou restrição relacionada à produção desse derivado.”