Sob Temer, Estado brasileiro deixa de reconhecer crimes da ditadura

Brasil de Fato – Uma comissão de representantes de anistiados políticos oficiou, nesta quarta-feira (20), a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal, pedindo que sejam tomadas providências em relação à postura do ministro da Justiça, Torquato Jardim, diante de processos que tratam de concessão de anistia a perseguidos políticos da época da ditadura civil-militar no Brasil.

O grupo denuncia que Jardim estaria negando pedidos de anistia sem justificativa. Segundo dados do Diário Oficial da União (DOU), no período entre 6 de setembro de 2017 e 11 de junho deste ano, 367 solicitações foram negadas.

De acordo com a Lei Federal Nº 10.559/2002, o colegiado examina os requerimentos e funciona como órgão de assessoramento do ministro da Justiça, a quem cabe a decisão final sobre os pedidos.

O presidente da Associação dos Metalúrgicos e Anistiados do ABC Paulista (AMA-ABC), João Paulo de Oliveira, destaca, no entanto, que o trâmite exige uma nova consulta à Comissão, por parte do ministro, em caso de negativa de pedidos que tenham recebido do colegiado um parecer de deferimento.

“Ele tem que mandar um documento fundamentado pra Comissão e ela tem que se pronunciar novamente. Ele não está fazendo essa fundamentação legal. Está fazendo da cabeça dele, negando sem apresentar as fundamentações desse denegatório”, reforça.

A lentidão dos processos também é uma queixa atual do movimento dos anistiados. Segundo Oliveira, a AMA-ABC aguarda há dois anos a publicação das portarias de seis pedidos aprovados pela Comissão que ainda não foram assinados pelo ministro.  A entidade aponta que haveria cerca de 800 processos pendentes desde 2016.

“Nós entendemos que o ministro está tomando atitudes não compatíveis com a função”, critica.

Influências políticas

A anistia é um ato oficial do Estado que declara impuníveis atitudes que, por motivos políticos, tenham sido consideradas no passado como criminosas. É concedida especialmente em casos de ex-perseguidos políticos do regime ditatorial.

O grupo que oficiou a PFDC aponta ainda que a Comissão de Anistia estaria sofrendo influências políticas indevidas que estariam resultando na negativa injustificada de processos.

Já tramita na Procuradoria, desde o final de 2017, um procedimento para apurar essas denúncias em particular.

A anistiada Rosa Cimiana dos Santos, integrante do grupo, destaca que a postura de Torquato Jardim em relação a esse tipo de processo seria “inédita” no país. Ela acrescenta que a concessão de anistia a ex-perseguidos é uma pauta que encontra abrigo nas mais diferentes tendências políticas.

“A anistia não é de um partido. É o cartão de visitas de qualquer governo, é onde se faz justiça realmente”, pontua.

Dívida

Em relação ao perdão político, o Brasil tem como marco legal a Lei 6683/79, que foi regulamentada somente em 2002, por meio da Lei 10.559, que aborda diferentes facetas da perseguição política, como violências física, psicológica e sexual, a tortura e o exílio, entre outros.

A deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP), presidenta da Subcomissão Parlamentar de Memória, Verdade e Justiça, destaca que o país segue em dívida com as pessoas que foram perseguidas pela ditadura.

Dados da Comissão Nacional da Verdade indicam, por exemplo, que ainda há 443 desaparecidos desde a época do regime. Estudos extraoficiais apontam, no entanto, que o número pode chegar a 4 mil pessoas.

De acordo com a deputada, essas e outras questões, como, por exemplo, as atuais negativas de pedidos de anistia, serão investigadas pela Subcomissão, que foi reinstalada na última terça-feira (19) depois de quatro anos de inatividade. O colegiado funciona dentro da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.

“Esta é uma luta necessária, porque a ditadura militar não acabou”, reflete Erundina.

Outro lado

Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça para tratar das críticas feitas pelas fontes ouvidas nesta matéria.

Em nota enviada à reportagem, o órgão respondeu que, desde sua nomeação, em maio de 2017, Torquato Jardim assinou 616 portarias relacionadas à anistia política. Segundo a assessoria, “a grande maioria obteve parecer do Conselho da Comissão de Anistia opinativo pelo indeferimento”, mas não foi informado o número exato.

A nota diz ainda que Jardim analisa individualmente cada um dos requerimentos e que, segundo a Lei 10.559/2002, “a decisão final sobre anistia política é do ministro da Justiça, e não da Comissão de Anistia”.

Sobre as demais críticas, o órgão preferiu não responder à reportagem.