Clívia Mesquita / Do Brasil de Fato – Na esteira da campanha “O petróleo é nosso”, a Petrobras foi criada pelo presidente Getúlio Vargas em 1953. Logo no seu primeiro discurso após a sanção do projeto, ele destacou a importância da estatal petrolífera para a soberania nacional. “Constituída com capital, técnica e trabalho exclusivamente brasileiros, a Petrobras constitui novo marco da nossa independência econômica”, falou à nação do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, então sede da Presidência da República.
A proposta para criação da Petrobras demonstrava preocupação com a garantia do suprimento para todo o território nacional e o alto custo das importações de derivados de petróleo. Na época, o petróleo produzido no país atendia apenas 2,5% da demanda nacional.
A economista Juliane Furno destaca o caráter estratégico de uma empresa estatal de petróleo para o desenvolvimento das economias capitalistas. “Quem tem acesso a petróleo, principalmente mais barato, quem é dono das reservas petrolíferas, consegue alçar voos no seu desenvolvimento interno sem restrições externas que seriam as fontes energéticas”, afirma Furno, que é assessora da Presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Atualmente, a Petrobras é responsável por 93% da produção de óleo e gás e 90% do refino no Brasil, segundo um levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em parceria com a Federação Única dos Petroleiros (FUP) com dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) de 2020.
“Estamos falando de uma empresa que lida com artigo que não é uma commodity, mas que é uma fonte de poder, de soberania econômica”, completa a economista.
O mesmo entendimento estava descrito há 70 anos na mensagem presidencial que Getúlio Vargas encaminhou ao Congresso como justificativa do projeto de lei de criação da Petróleo Brasileiro S.A., a Petrobras.
“(…) a produção do petróleo, dentro das possibilidades que tivermos, está entre aquelas produções básicas que, voltadas para as necessidades nacionais, marcarão o compasso do nosso desenvolvimento geral”, escreveu.
Retomada
A professora da Faculdade de Ciências Econômicas da Uerj lembra que o conceito de segurança energética que motivou a criação da Petrobras abrange, além da disponibilidade do petróleo, a garantia de preços acessíveis à toda população.
Juliane Furno avalia que a empresa soube equilibrar seu objetivo de mercado com os princípios de uma estatal de atender aos interesses da nação na maior parte de sua história. Com o governo de Michel Temer (MDB), no entanto, a balança pendeu desproporcionalmente para o lado dos acionistas privados.
“A Petrobras mudou sua missão empresarial que era antes ser a maior empresa de petróleo do mundo, garantindo segurança energética e rumando para transição energética, e passou a ser no governo Temer e no governo Bolsonaro a principal empresa que distribuía dividendos no mundo”, pontua ela.
No governo de Jair Bolsonaro (PL) a distribuição de dividendos da Petrobras atingiu patamar recorde, representando 98,8% do total do lucro líquido da empresa em quatro anos. A média foi de R$ 84,5 bilhões ao ano em dividendos. Em comparação, nos governos do PT, a parcela distribuída aos acionistas foi de R$ 8,6 bilhões ao ano, ou 34% do lucro.
A estratégia para aumentar o lucro da empresa foi o desinvestimento, além da venda de ativos e a vinculação dos preços dos combustíveis com os do mercado externo. Só este ano o governo Lula (PT) colocou fim à política de preço praticada desde 2017, chamado Preço de Paridade de Importação (PPI).
“O governo Lula, assim como foi no passado, tem na Petrobras um instrumento de desenvolvimento industrial e de garantia de segurança energética. Então não pode ser tratada como empresa qualquer”, afirma Juliane Furno que acrescenta a necessidade de revisar a política de distribuição de dividendos.
“A mudança na política de preços foi fundamental, inclusive já teve impacto na deflação. Mas a Petrobras ainda não mudou a política de distribuição de dividendos. É preciso equacionar isso porque se continuar distribuindo tanto dividendo vai ter cada vez menos caixa para fazer investimentos importantes para o Brasil ter autossuficiência também em refino”, defende ela.
[Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil]