Eduardo Maretti / Da RBA – Por maioria, o Supremo Tribunal Federal negou nesta quarta-feira (4) o habeas corpus (HC) preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Lula foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4) a 12 anos e um mês de prisão.
Os mais enfáticos defensores da concessão do habeas corpus, os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello atacaram o que consideram violação à presunção de inocência inscrita na Constituição Federal de 1988. A sessão se prolongou por quase 11 horas.
Ao proferir seu voto, o ministro Marco Aurélio Mello expôs a divisão do tribunal e atacou Cármen Lúcia. Com ironia, acusou a ministra de ser “toda poderosa” e não colocar em pauta as ADCs 43 e 44, das quais ele é relator. O julgamento dessas ações teriam efeito ergma omnes (para todos), tirando do STF o peso de julgar o caso específico de um ex-presidente da República.
“Meu dever maior não é atender a maioria indignada, mas fazer prevalecer a lei das leis (a Constituição Federal), segundo a qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, disse o ministro.
Marco Aurélio continuou a falar das fraturas conhecidas nos bastidores do tribunal, ao apontar uma suposta quebra de acordo por parte de Cármen Lúcia antes do julgamento: “Estava preparado (na sessão desta quarta-feira) para suscitar a questão de ordem (para julgar as ADCs), mas recuei da proposta porque sua excelência sinalizou a votação desse habeas”. Há muito a se ler nas entrelinhas dessas palavras de Marco Aurélio.
Já durante a tarde, em aparte, o ministro havia enfatizado: “Que isso fique nos anais do tribunal: vence a estratégia, o fato de vossa excelência não ter pautado as ADCs”.
Lewandowski acusou o resultado do julgamento de “irreparável retrocesso institucional”. “É possível restituir a liberdade de alguém, se houver reforma da sentença condenatória no STJ ou STF com juros e correção monetária? A vida e a liberdade não se repõem “. O ministro disse que o STF “colocou o sagrado direito à liberdade em um patamar inferior ao direito de propriedade”.
Celso de Mello apontou os riscos de “atos que podem induzir a intervenções pretorianas” na democracia do país. “Nossa própria experiência histórica nos adverte que insurgências de natureza pretoriana, à semelhança da ideia metafórica do ovo da serpente, fragilizam as instituições democráticas”, disse, em alusão tanto às declarações do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, quanto ao papel do STF na atual conjuntura.
No início da sessão, por volta das 14 horas, segundo a votar, o ministro Gilmar Mendes atacou a imprensa. “Nunca vi uma mídia tão opressiva como a desses últimos anos”, disse. “O clamor das ruas não deve orientar as decisões judiciais.”
Rosa Weber
Há duas semanas considerada dona de voto imprevisível e decisivo no julgamento do HC, a ministra Rosa Weber foi a quinta a se manifestar na sessão. Seu voto ambíguo levou o placar a 4 a 1 e já se sabia, àquela altura, que significava a derrota do habeas corpus, já que os outros dez votos já eram considerados certos (5 a 5) e acabaram se confirmando no Plenário.
Votaram a favor do HC os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Celso de Mello. Contra, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Com argumentação teórica rebuscada e repleta de citações de doutrina, Rosa Weber privilegiou aspectos formais, ignorou o mérito e defendeu uma posição, segundo ela mesma, contrária a sua própria convicção. Em nome da jurisprudência formada pela maioria de 6 a 5 no julgamento de outubro de 2016, ela votou neste dia 4 pela prisão em segunda instância. Curiosamente, a posição da ministra desta quarta-feira foi contra o entendimento dela própria em 2016, quando estava entre os cinco votos vencidos.
Em 2016, a votação vencedora, também por 6 a 5, a favor da prisão, foi a seguinte: Edson Fachin, Teori Kavascki (substituído em 2018 por Alexandre de Moraes), Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Contra a execução da pena na segunda instância, foram vencidos em outubro de 2016 o decano Celso de Mello, Lewandowski, Rosa Weber, Toffoli e Marco Aurélio, relator das Ações Diretas de Constitucionalidade 43 e 44, que a presidenta Cármen Lúcia se recusa a pautar.
Advogado de Lula, José Roberto Batochio tentou uma última cartada, requerendo que Cármen Lúcia, por ser presidente, não votasse em sede de habeas corpus. O empate seria favorável a Lula. A proposta foi rejeitada. Cármen deu o sexto voto.
Depois, os ministros votaram a possibilidade de uma liminar estender um salvo-conduto a Lula. A proposta também foi derrotada.