“Temos hoje um processo de privatização às escusas da Petrobras”, alerta coordenador da FUP

Da Imprensa da FUP – Em entrevista ao Jornal A Tarde, da Bahia, o coordenador geral da FUP, Deyvid Bacelar explica as motivações das privatizações no Sistema Petrobras e alerta para os prejuízos impostos pela venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), tanto econômicos, quanto sociais e ambientais, além do risco de desabastecimento.

“Hoje, o que nós temos é um processo de privatização às escusas da Petrobras. A empresa está sendo desmontada, fatiada, esquartejada e vendida aos pedaços. Por sinal, temos questionado isso tanto judicialmente como também dentro do Congresso Nacional, que por sinal, já fez questionamentos através de ações do Supremo Tribunal Federal questionando essas privatizações de ativos, de patrimônios da Petrobras sem ter um processo licitatório transparente e sem passar pelo aval do Congresso, desrespeitando assim o plano nacional de desestatização e desrespeitando também a Constituição Federal Brasileira. E, infelizmente, esses ativos dessa empresa, que é patrimônio público brasileiro, estão sendo vendidos a preço de banana, a preço vil, na bacia das almas, principalmente para o capital financeiro internacional. São grandes fundos de investimento, grandes bancos e também petrolíferas nacionais que querem nossos ativos a preço baixo, como estão fazendo agora no governo Bolsonaro”, afirma o petroleiro baiano.

A entrevista, de página inteira, foi publicada na edição desta segunda-feira, 20. Leia a íntegra:

Coordenador-geral da Federação Unica dos Petroleiros, a maior representação da categoria em âmbito nacional, o baiano Deyvid Bacelar é enfático ao afirmar que o processo de privatização da Petrobras acontece “às escusas” é que a estatal está sendo “desmontada, fatiada, esquartejada e vendida aos pedaços”. Ao ser questionado sobre os sucessivos aumentos nos preços dos combustíveis e gás de cozinha, Deyvid diz que se hoje o preço está alto, “ele poderá ficar ainda mais caro, seja para a população, seja para a indústria que consome uma série de derivados da refinaria”. “Só esse ano a Petrobras subiu 51% a gasolina e 40% o gás de cozinha e o diesel”. E alerta: “ha riscos de desabastecimento em algumas regiões do país”. Além de criticar a venda da refinaria Landulfo Alves, ele eleva o tom nas críticas à Mubadala, que está comprando a RLAM, “que não se pronuncia sobre o passivo ambiental” da refinaria. Confira:

Que avaliação você faz sobre a situação atual da Petrobras?

Infelizmente hoje, o que nós temos é um processo de privatização às escusas da Petrobras. A empresa está sendo desmontada, fatiada, esquartejada e vendida aos pedaços. Por sinal, temos questionado isso tanto judicialmente como também dentro do Congresso Nacional, que por sinal, já fez questionamentos através de ações do Supremo Tribunal Federal questionando essas privatizações de ativos, de patrimônios da Petrobras sem ter um processo licitatório transparente e sem passar pelo aval do Congresso, desrespeitando assim o plano nacional de desestatização e desrespeitando também a Constituição Federal Brasileira. E infelizmente esses ativos dessa empresa, que é patrimônio público brasileiro, estão sendo vendidos a preço de banana, a preço vil, na bacia das almas, principalmente para o capital financeiro internacional. São grandes fundos de investimento, grandes bancos e também petrolíferas nacionais que querem nossos ativos a preço baixo, como estão fazendo agora no governo Bolsonaro.

Você está à frente da maior categoria de representação dos petroleiros e é recorrente essa crítica de que o governo Bolsonaro trabalha para fazer o desmonte da Petrobras. O que isso tem de prejudicial para o Brasil e para os brasileiros?

A Petrobras, desde 1953, quando Getúlio Vargas a criou, vem cumprindo um papel de desenvolvimento econômico, industrial, regional e social do nosso país. A empresa foi importantíssima para ajudar no processo de geração de emprego e renda, inclusive aqui no Nordeste e na Bahia. E o prejuízo, ou melhor, os prejuízos para a população são incomensuráveis. Nós estamos falando aqui de um processo menor de geração de emprego e renda que já acontece, por exemplo, aqui na Bahia. Nós já vemos isso acontecer em Maragogipe, em Candeias, em São Sebastião do Passé, em Madre de Deus, em áreas que a Petrobras sempre foi pujante e que hoje a geração de emprego e renda é muito menor. Com essas privatizações que estão acontecendo, a exemplo da refinaria Landulfo Alves, a população terá um prejuízo enorme com relação também aos preços dos combustíveis, porque vai ficar refém de um monopólio regional privado, que vai determinar preços para terem retornos dos investimentos que foram feitos num menor espaço de tempo possível. Então, se hoje o preço já está alto, ele poderá ficar ainda mais caro, seja para a população diretamente com a gasolina, diesel, gás de cozinha, seja a indústria que consome uma série de derivados da nossa refinaria. Mas é para além disso. Os monopólios regionais estão sendo constituídos e não é só a FUP que diz isso, a NP diz isso, o TCU diz isso, BNDES diz isso. Mas também há riscos de desabastecimento em algumas regiões do país, principalmente do GLT, porque o gás de cozinha tem uma margem de lucro muito baixa. Então o investidor que pode comprar as refinarias pode dizer, “não quero produzir gás de cozinha, vou produzir produtos que me deem um maior valor agregado” e isso pode trazer desabastecimento de algumas regiões, principalmente das regiões mais remotas e desassistidas do nosso país, como o Norte e o Nordeste do Brasil.

Você é um dos maiores críticos do processo de governança da gestão da Petrobras. Que avaliação faz da condução pelo atual comando da estatal?

Apesar do governo ter mudado a presidência da Petrobras, tirou o Roberto Castello Branco sinalizando que iria mudar a política de preços dos combustíveis, e colocou o general do exército Silva e Luna para presidir a empresa. Mas nada mudou. A política de preços dos combustíveis continua a mesma, ou seja, atrela os nossos derivados do petróleo ao preço do barril de petróleo do mercado internacional, ao dólar e ao custo logísticos de importação de derivados, mesmo o Brasil sendo autossuficiente em petróleo com mais de 90% do petróleo sendo nacional utilizado nas refinarias, mesmo com o Brasil tendo refinarias para refinar esse petróleo, e mesmo tendo custos nacionalizados. Então mantiveram, por exemplo, o processo da política de preços que hoje onera toda a população. Mantiveram também nessa gestão esse processo de favorecimento de grupos minoritários, e infelizmente o general Silva e Luna mentiu essa semana na comissão geral na Câmara dos Deputados, quando ele afirmou que a Petrobras, por ser controlada pelo Governo Federal, estava contribuindo mais com o povo, e isso não é verdade. A gestão da Petrobras privilegia setores específicos. Estamos falando de acionistas minoritários, principalmente estrangeiros ligados à bolsa de Nova York, que têm ganhado rios de dinheiro. Estamos falando nesse ano de 2021 de R$42 bilhões pagos via dividendos. Desses R$42 bi, R$15 bilhões ficaram com o Governo Federal, com a União. Mas a maior parte, ou seja, R$27 bilhões foram para acionistas minoritários. E quem está pagando essa conta? Quem para essa conta somos nós, brasileiros e brasileiras. Seja o povo que está comprando gasolina, diesel, gás de cozinha, sejam os empresários, inclusive do polo petroquímico de Camaçari que estão pagando muito mais caro pelos derivados de petróleo, para favorecer acionistas da bolsa de Nova York.

O presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira, chegou a perguntar essa semana onde estava o problema com o aumento dos preços do combustível no Brasil. Essa é uma pergunta que está cada vez mais difícil de responder, Deyvid?

Essa é uma pergunta que nós estamos respondendo pelo menos desde outubro de 2016, quando a política de preços foi mudada pelo Michel Temer e Pedro Parente. Eles aplicaram o PPI – preço de paridade e importação – que tem esses vetores que aqui nós já colocamos – preço do barril de petróleo, dólar e custos de importação. Nós, por sinal, já sinalizamos para o presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira, de que se necessário for, a FUP, com toda a assessoria técnica e econômica, vai explicar o que está acontecendo, apesar de já estarmos explicando desde outubro de 2016. Então na verdade o que tanto o Bolsonaro quanto o general Silva e Luna tentam fazer é enganar, ludibriar a população brasileira, quando dizem que a culpa pelo aumento dos combustíveis é do ICMS. Vou dar um exemplo. O ICMS na Bahia é 28% há mais de 10 anos. Então se o ICMS não aumenta, como o ICMS vai influenciar na base de preço dos combustíveis? Mentira. O que influencia na base de preço dos combustíveis é a realização da Petrobras, que no caso do diesel é de 51%. Que no caso hoje do gás de cozinha é quase 50%. Lembrando que a realização, que é o que a Petrobras cobra, o preço que sai das refinarias, lembrando que em 2011 o gás de cozinha tinha uma realização de apenas 12%. E hoje é de 48%. Então na verdade o que está fazendo com que os preços entrem nessa galopante de aumentos sucessivos é o preço que sai de dentro das refinarias da Petrobras. Só para ter uma ideia, de janeiro a agosto desse ano a gestão da Petrobras subiu 51% a gasolina e 40% o gás de cozinha e o diesel. Então quem é que está aumentando os preços? Infelizmente é essa gestão da Petrobras com essa política criminosa que sangra a população brasileira como um todo.

O que fazer para que a população tenha uma mudança nesse cenário? Há uma perspectiva do valor dos combustíveis, da gasolina, do diesel, cair?

O que os analistas econômicos estão colocando é que infelizmente ainda teremos essa alta em diversas commodities. Então hoje, por exemplo, o barril do petróleo no mercado internacional está variando entre 73, 75 dólares. Lembrando que em 2013 nós tivemos o barril de petróleo a mais de 100 dólares. Então olha só, se o preço do barril do petróleo subir para essa margem de mais de 100 dólares, ele vai impactar na formação do preço dos combustíveis, nessa política atual que a gestão da Petrobras utiliza. Outro vetor, o dólar: a taxa de câmbio no Brasil está descontrolada. A política econômica do Paulo Guedes é devastadora, beneficia somente quem exporta. Por sinal, beneficia a agroindústria que exporta em dólar e está ganhando rios de dinheiro nessa pandemia. O dólar fechou ontem a R$5,36. Então se o dólar também continua subindo isso impacta no preço dos combustíveis. Custos de importação logísticos não deveriam estar na política de preços. Não deveriam, porque a Petrobras, como dissemos, é autossuficiente em petróleo, tem refinarias, que por sinal estão sendo vendidas, estão sendo utilizadas com sua capacidade bem abaixo, em torno de 70-74% da capacidade que elas têm, beneficiando importadoras e refinarias de outros países. Então o custo de importação aumenta, porque nós estamos importando muito, e o dólar influencia, o preço do barril de petróleo influencia, e os custos de transporte influenciam, nós teremos um aumento ainda maior do preço dos combustíveis. E é óbvio que a população não vai suportar isso, e até espera-se que a população acabe indo às ruas como já ocorreu no Chile por conta desse motivo. Então isso pode causar um grande alvoroço, uma grande convulsão social, e é importante que a política seja alterada. Seja agora, no governo Bolsonaro, e vemos várias dificuldades a respeito disso, seja num próximo governo que nós esperamos que seja mais popular, mais democrático, mais desenvolvimentista.

A crise energética, a crise hídrica no Brasil acaba pressionando mais ainda essa questão do aumento do valor dos combustíveis?

Não somente dos combustíveis como também da própria energia elétrica. É bom lembrar que nós estamos passando por uma gigantesca crise hídrica mas que já deveria ter sido prevista lá atrás, a partir de um planejamento que deveria ocorrer no Ministério de Minas e Energia que não ocorreu e que nós teremos, por tabela, uma crise energética, e não é apenas a FUP, que está dizendo isso. Diversos analistas do setor de energia estão colocando que infelizmente devido à falta de planejamento do Governo Federal nós teremos ali em novembro, dezembro ou janeiro do ano que vem, apagão no Brasil. E além do apagão, nós já estamos tendo tarifas maiores de energia. Porque acionaram todas as termoelétricas do nosso país, termoelétricas que são movidas a quê? Movidas a gás natural, movidas a óleo combustível, movidas, infelizmente, até a carvão. Estamos voltando ao tempo do carvão. Isso faz com que as tarifas fiquem mais altas e com que esses derivados eles cheguem com os preços maiores também às termoelétricas. Então os combustíveis, sim, devido à crise energética que nós estamos tendo no país, também poderão sofrer a influência disso e preços ainda maiores devem ser praticados, infelizmente, por causa de quê? Por causa da política de preços que foi implementada pelo Temer em outubro de 2016 e mantida pelo Governo Bolsonaro.

Qual a sua avaliação sobre a venda da refinaria Landulfo Alves na Bahia?

Para além do tema do preço vil, do preço de banana, como diz o nosso companheiro e professor José Sérgio Gabrielli, que foi presidente da Petrobras, é uma venda na bacia das almas. Nós temos a entrega desse patrimônio baiano para o fundo de investimentos lá dos Emirados Árabes, que não têm compromisso algum com o povo baiano, é de uma perda enorme. Ratificando, reforçando o que nós dissemos aqui agora há pouco. Esse investidor que faz a gestão de um fundo soberano trilionário dos Emirados Árabes, por sinal, países produtores de petróleo, grandes sheiks que controlam esses fundos, eles irão fazer com que arranquem cada vez mais lucro dessa refinaria para quem? Para o povo baiano? Para o povo brasileiro? Não. Para o povo lá dos Emirados Árabes. A que custo? Minimizando os seus custos em cima dos trabalhadores e trabalhadoras. Estamos falando de menos emprego, menos renda, porque os salários serão menores, os benefícios serão piores. E estamos falando de maximização de lucro. É assim que funciona a indústria privada, a empresa privada. Maximização de lucro. Em cima de quem? Em cima do consumidor. Porque o investimento que foi feito tem de ter retorno, e tem de ter retorno em um curto espaço de tempo, no menor espaço de tempo possível. E quem pagará essa conta, seremos nós. Baianos, baianas, nordestinos, nordestinas que consomem os derivados de petróleo da gigantesca refinaria Landulfo Alves, que é a segunda maior do Brasil. Refinaria essa que por sinal agora, na pandemia, foi importantíssima para a Petrobras passar por esse período. Então por que vender esse patrimônio que não gera prejuízo, que gera lucro, para a Petrobras, para o povo baiano, principalmente para capital financeiro internacional? Não tem justificativa para se vender a refinaria Landulfo Alves. Esperamos que o povo baiano possa nos ajudar nessa luta que não é apenas de nós, petroleiros e petroleiras, é uma luta da sociedade baiana e da sociedade brasileira.

Para finalizar, o que esperar do grupo Mubadala? O que terá de impacto isso para a Bahia e para os baianos?

Bem, nós da FUP e do Sindipetro Bahia, inclusive dialogando com as prefeituras de Madre de Deus, de São Sebastião do Passé, de Candeias, de São Francisco do Conde, com o Governo do Estado da Bahia, estamos ainda demonstrando a esses atores políticos os prejuízos que ainda nós temos com a saída da Petrobras por inteiro daqui da Bahia. Estou falando isso porque já venderam os campos terrestres, já venderam a plataforma que tínhamos de gás ali na baía de Camamu, já venderam a Liquigás, já venderam a Fafen, estão vendendo a PBIO, estão vendendo tudo. E aqui só temos hoje a refinaria, ainda a usina de Candeias de biocombustíveis e um campo ali em São Sebastião do Passé. Por isso, ainda temos articulações sendo feitas no Congresso Nacional para tentar barrar esse processo de privatização. Lembrando que o senador Davi Alcolumbre e o senador Rodrigo Pacheco, ambos presidentes do Congresso Nacional nas suas épocas, questionaram isso no STF. O Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu sobre a venda da refinaria na Bahia, uma venda ilegal, uma venda inconstitucional, não teve licitação, não foi transparente, não passou pelo aval do Congresso Nacional. Estamos questionando isso. Estamos questionando com essas prefeituras e com o Governo do Estado da Bahia quem vai pagar a conta desse passivo ambiental que existe e que atingiu esses municípios, inclusive os municípios no consórcio dessa região. Quem paga essa conta? A Mubadala não se pronuncia sobre o passivo ambiental, não se manifesta sobre isso. Então ainda temos cenas dos próximos capítulos. A nossa luta é para que a Petrobras fique na Bahia, é para que esse patrimônio, que é do povo baiano, do povo brasileiro, continue sendo do povo baiano e do povo brasileiro. Que não seja do povo lá dos Emirados Árabes. Então a luta é constante e esperamos que nós possamos reverter ainda, porque não houve o closing, o fechamento desse negócio ainda e nós, de todas as maneiras, estamos investindo os nossos recursos, esforços e energias para termos esse patrimônio na mão do povo baiano e do povo brasileiro.

[Entrevista: Jornal A Tarde]