Vitor Menezes e Alessandra Murteira*
O conceito de comunicação sindical é relativamente recente na história brasileira, quando comparada a outras formas de imprensa e comunicação de bases populares. Embora existam variações nos registros por diferentes autores, e uma pesquisa documental ainda em aberto por historiadores — que com frequencia registram dificuldades no acesso a publicações populares e efêmeras, muitas delas que, diferentemente dos veículos tradicionais, jamais tiveram arquivo regular —, é bastante aceita a versão de que a imprensa anarquista é a pioneira, no Brasil, na produção de periódicos de origem operária.
Em sua dissertação de mestrado, de 2016, Alexandre Haubrich, jornalista e cientista social, recorreu ao nosso conhecido e saudoso jornalista Vito Giannoti, que tantos trabalhos essenciais nesta área produziu no Núcleo Piratininga de Comunicação, para registrar que o primeiro jornal operário que se tem notícia, no Brasil, foi o Jornal dos Tipógrafos, de 1858. O autor lembra que levantamento do próprio Giannotti catalogou cerca de 500 jornais operários apenas desta metade do século XIX até 1930, para que se tenha noção do volume da produção de resistência da classe trabalhadora no país neste período.
Esta imprensa operária de vínculos anarquistas, tipicamente urbana pela própria relação com as bases fabris que se estruturavam à época no Brasil, não traz, no entanto, os únicos exemplares de produção de imprensa de origem popular ou com vínculos com causas populares no século XIX. Seria injusto não mencionar a importância dos jornais abolicionistas, que impuseram o debate acerca da desumanidade da escravidão e a necessidade imperiosa do seu fim, como mostra Machado (2007).
No início do século XX, os primeiros movimentos comunistas do país, que dariam origem ao Partido Comunista em 1922, também fizeram imprimir sua voz em forma de jornais — assim como seus predecessores anarquistas, com fortes vinculações sindicais. Ambos caracterizavam-se pela produção de discurso de mobilização e denúncia, que não encontravam abrigo nos veículos tradicionais das elites, de inclinação burguesa e Liberal.
As imprensas abolicionista (século XIX), anarcossindicalista (XIX e início do XX), assim como a imprensa sindical-partidária comunista (primeiras décadas do século XX) estão, portanto, na origem da construção de veículos e linguagens próprios das camadas populares. Nas décadas seguintes, do período getulista nos anos 30 até o golpe de 1964, esta herança foi hegemônica no sindicalismo e nos movimentos sociais — no primeiro campo, do sindicalismo, com o crescimento das fábricas, ainda sob a tutela do Estado varguista, e seus jornais operários; nas lutas populares, com o início de publicações que davam ênfase a outras formas de opressão, como as do movimento negro, do movimento estudantil e as dos pioneiros movimentos feministas.
A ditadura civil-militar do pós-1964 impôs, no entanto, uma nova realidade para o operariado brasileiro, com a crescente criminalização das suas lideranças. Este período viu germinar um sindicalismo que não via mais sentido ser tutelado pelo Estado, rompida que estava uma aliança que chegou a apostar em acenos de garantias de direitos trabalhistas do período Vargas e de instantes de estabilidade democrática nos anos 50. Na ditadura, esta possibilidade de vínculo se esgarçou por completo e aos trabalhadores o que o Estado destinava eram os seus tanques. Chegava a vez de os sindicatos terem vozes ainda mais genuinamente próprias, autônomas, com jornais muitas vezes feitos pelos próprios trabalhadores. O ápice desta geração pode ser representado pelas mobilizações históricas dos sindicatos do grande ABC paulista, o grande parque industrial automobilístico da época, que dariam origem à CUT e ao PT, formando o chamado Novo Sindicalismo e mudando definitivamente a história do movimento sindical brasileiro, com consequências diretas sobre a produção da imprensa sindical.
Os jornais sindicais deste período foram essenciais na organização dos trabalhadores em suas lutas específicas, como as que envolvem reivindicações salariais e de condições de trabalho, e também na conformação de um ambiente de contestação ao próprio regime ditatorial. Neste sentido, estas publicações estiveram alinhadas com esforços de muitos outros veículos alternativos, sendo os mais célebres exemplos os de Opinião (1972-1977), Movimento (1975-1981) e Pasquim (1969-1991), entre centenas de outros por todo o país, que atuavam com mais frequência no debate dos grandes temas políticos e nas matérias que reviam costumes e questionavam os tabus do conservadorismo, utilizando-se de linguagem ácida e humorística — especialmente no caso do Pasquim.
As décadas de 1980 e 1990 adicionam um elemento importante no cenário das comunicações populares: as rádios comunitárias ou piratas, inicialmente, e as TVs comunitárias em seguida. No ambiente da abertura democrática cresceram as pressões pela quebra da concentração da mídia no Brasil, já naquele momento estruturada a partir de um número limitado de grupos de empresas familiares, com prevalência de uma filha dileta da ditadura, a TV Globo. Também é deste período o crescimento das mobilizações sociais relacionadas às melhorias das condições de vida nas cidades, as associações de moradores e movimentos de cidadania, encorajados tanto pela reabertura democrática quanto pela Constituição de 1988, que buscava ampliar a participação popular nas decisões políticas. Muitos destes movimentos tiveram seus próprios veículos, como Jornais de Bairro, que procuravam apontar problemas que eram negligenciados pelos veículos da grande imprensa.
A internet, a partir dos anos finais da década de 1990, vai trazer novas plataformas para a comunicação contra-hegemônica — inclusive as que ofereciam resistência aos monopólios do próprio mundo dos computadores, como denunciavam os movimentos pelos softwares livres. Sites alternativos (tendo como exemplar pioneiro o Centro de Mídia Independente), blogs, experiências colaborativas, estão na raiz do que viria a ser chamado midialivrismo, movimento de cobertura das pautas populares não apenas por jornalistas, mas também pelos próprios agentes das lutas nas ruas. Todo este potencial viria a ser fortemente ampliado nas décadas seguintes com o crescimento do acesso às tecnologias móveis e de transmissão ao vivo, que permitiram o surgimento de exemplos recentes como a Mídia Ninja e os Jornalistas Livres.
Comunicação sindical e assessoria de imprensa especializada
O resumo histórico acima demonstra a complexidade de vozes que podem ser abarcadas em um guarda-chuva geral contra-hegemônico. A questão não se resume a uma querela acadêmica: traz também consequências para a prática da comunicação em áreas como o movimento sindical, e merecem um registro ainda que breve — para que se faça uma opção consciente a que linguagem se afiliar para implementação em seus produtos. “Imprensa Operária”, “Imprensa Sindical”, “Comunicação Sindical”, “Imprensa Alternativa”, “Mídia Independente”, “Mídialivrismo”, “Comunicação popular”, “Assessoria de Imprensa”, “Assessoria de Comunicação”. O que, afinal, fazem os profissionais e dirigentes sindicais da área da comunicação?
A pesquisadora da área de Comunicação Cicilia Krohling Peruzzo, citada pelo também pesquisador Alexandre Barbosa no artigo “O modo de produção jornalístico na imprensa das classes trabalhadoras: o caso do MST”, nos mostra que “com o passar do tempo, o conceito alternativo ganha diferentes significados: desde os veículos que podem estar ou não ligados a movimentos sociais e às produções de comunidades, passando por publicações alternativas vendidas em banca, até os órgãos comunicativos de sindicatos e partidos políticos. A autora agrupa essas produções em duas classificações: a comunicação popular, alternativa e comunitária, e a imprensa alternativa”.
A produção de informação com linguagem e objetivos jornalísticos comporta-se como Imprensa Sindical — por meio da cobertura de temas de interesse dos trabalhadores sob a ótica das suas entidades representativas. No entanto, a atuação das entidades não se limita a esta produção informativa em linguagem jornalística, abrangendo ainda a comunicação de modo mais amplo, o que inclui a publicidade e o marketing em diversas plataformas — com ênfase para redes sociais digitais. Tem-se, então, o campo da Comunicação Sindical, o que abrange Imprensa Sindical e demais formas de comunicação.
Há ainda duas outras vertentes do trabalho da área da comunicação sindical: a assessoria de imprensa e a consultoria estratégica em comunicação. No primeiro caso, registrem-se as especificidades de uma assessoria de imprensa especializada em movimento sindical de trabalhadores, que difere da assessoria de imprensa corporativa tradicional. O sindicalismo — notadamente, no caso brasileiro, o sindicalismo cutista e de outras centrais que situam-se politicamente no campo das esquerdas — é uma fonte que mantém desconfiança justificada em relação à mídia tradicional, de militância empresarial-liberal. Por mais que faça discursos de auto-legitimação que mobilizem noções de “independência”, “imparcialidade”, “objetividade”, a imprensa tradicional, em geral, mostra-se hostil ao movimento sindical e simpática aos seus maiores financiadores, as grandes empresas.
Esta tensão histórica entre as assessorias de imprensa especializadas em movimento sindical de trabalhadores e os veículos da imprensa tradicional não impede, no entanto, que estas assessorias exerçam papel profissional profícuo na busca por espaços de veiculação das suas informações nas mídias do jornalismo tradicional. As informações produzidas no ambiente sindical têm valor-notícia, muitas vezes de forma irresistível, para os veículos tradicionais, e cabem às assessorias sindicais produzi-las com o enfoque que interessa à grande maioria da sociedade, que é formada por trabalhadores e trabalhadoras.
Faz-se aqui o parêntese de que mesmo o jornalismo tradicional é um ambiente em disputa. Ainda que hegemonicamente empresarial-liberal, o jornalismo é uma atividade mais longeva e de compromissos mais amplos do que fazem crer os veículos hegemônicos — como mostra Adelmo Genro Filho em O segredo da pirâmide: por uma teoria marxista do jornalismo. Há contradições a serem exploradas, fendas a serem ocupadas, com pautas que partam das visões progressistas e populares de mundo. Esta disputa é essencial, até mesmo em razão de o jornalismo se manter como prática informativa de significativa credibilidade junto à população, mesmo com todo o desgaste pelo qual passa nas últimas décadas.
Pesquisa do Datafolha, aqui citada a partir de registro publicado por O Globo em 11 de outubro de 2020, sobre a confiança dos eleitores nas informações sobre as eleições municipais — com entrevistas realizadas nos dias 5 e 6 de outubro e nível de confiança de 95% (margem de erro de 3%) — mostra que, em São Paulo (1.092 respondentes), o nível de confiança nos jornais impressos é de 41% (35% não confiam, 20% confia em parte e 1% não utiliza), nos programas jornalísticos na TV o nível de confiança também é de 41% (33% não confiam, 24% confia em parte e 1% não utiliza), nos sites de notícias a confiança é de 29% (41% não confiam, 25% confiram em parte e 4% não utilizam), e nos programas jornalísticos de rádio a confiança é de 41% (32% não confiam, 22% confiam em parte e 5% não utilizam).
No Rio de Janeiro (900 respondentes), o nível de confiança no jornalismo tradicional é menor do que em São Paulo: nos jornais impressos é de 35% (36% não confiam, 22% confiam em parte e 7% não utilizam), nos programas jornalísticos na TV é de 36% (33% não confiam, 28% confiam em parte e 3% não utilizam), nos sites de notícias é de 25% (41% não confiam, 27% confiam em parte e 7% não utilizam), e nos programas jornalísticos de rádio a confiança é de 37% (32% não confiam, 24% confia em parte e 7% não utilizam).
A pesquisa também sondou a confiança no WhatsApp e no Facebook, com resultados que apontaram extrema desconfiança dos respondentes, na maioria dos casos acima de 70%. Em São Paulo, apenas 6% disseram confiar no WhatsApp para obter notícias sobre as eleições (78% não confiam, 11% confia em parte e 5% não utiliza), em relação ao Facebook, 7% disseram confiar (74% não confiam, 13% confiam em parte e 6% não utilizam). No Rio de Janeiro, o WhatsApp tem confiança de 6% (74% não confiam, 13% confiam em parte e 6% não utilizam), enquanto o Facebook tem confiança de 8% (67% não confiam, 16% confiam em parte e 9% não utilizam).
Além de considerável credibilidade, o jornalismo tradicional mantém grande poder de agendamento — o que, ademais, nem sempre tem relação direta com credibilidade —, o que também justifica a necessidade de manter o zelo na atuação em assessoria de imprensa nos sindicatos. Pela mesma razão — grande poder de agendamento — é tão essencial a atuação pesada nas redes sociais digitais, uma vez que a falta de credibilidade a ela até então inerente não significa ausência de influência sobre a opinião pública, como mostraram as eleições brasileiras de 2018.
A quarta vertente do trabalho da comunicação dos sindicatos, já citada, é a consultoria estratégica. Esta é uma área que ainda pode ser melhor explorada pelas direções sindicais, que muitas vezes seguem apenas os seus faros políticos e não ouvem os seus profissionais. Nota-se, no entanto, sobretudo em razão da crescente influência dos aparatos técnicos e de inteligência artificial na comunicação, maior abertura para contratação de agências especializadas em redes sociais digitais, monitoramento dos humores dos públicos e de segmentação.
A base essencial desta consultoria, no entanto, continua a ser a dos profissionais que vivem o dia a dia das entidades, conhecem as idiossincrasias do movimento sindical, e sabem conciliar os dados com as características e prioridades políticas de cada momento e de cada direção sindical. Eles é que são os capazes de associar consultoria com produção de conteúdo em volume e assertividade necessários, de modo perene, para que seja gerada comunicação sólida de longo prazo.
Em resumo, fazemos, portanto, Comunicação Sindical, que abrange a Imprensa Sindical, buscando ter ferramentas próprias de diálogo com os trabalhadores e com a sociedade em geral. Fazemos Assessoria de Imprensa Especializada em Movimento Sindical de Trabalhadores, que guarda diferenças em relação à assessoria de imprensa do mundo corporativo (diferente, portanto, da comunicação empresarial ou organizacional, implicando em práticas e limites específicos, com obstáculos próprios, como reduzido potencial de investimento publicitário, barreiras ideológicas, preconceitos e falta de compatibilidade entre as linguagens). E fazemos consultoria em comunicação.
Um dos exemplos deste sentimento de missão da Comunicação Sindical é o do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que pode não ser um bom caso de popularidade e engajamento nas redes sociais digitais contemporâneas, mas é inspirador quando o assunto é mobilizar a militância e construir um universo próprio de discurso, que produz pertencimento e ação, vitais para a comunicação e projeto político de um movimento social. Diferentemente da indústria cultural de massa, que tem as ações de informar e entreter como estratégias de ganhos publicitários — cada vez mais a segunda do que a primeira —, a Comunicação Sindical precisa informar e colocar em ação, formar, promover intervenção na realidade. É o que temos feito.
* Vitor Menezes é jornalista do Departamento de Comunicação do Sindipetro-NF (Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense) e professor do Curso de Jornalismo do Uniflu (Centro Universitário Fluminense). Alessandra Murteira é jornalista da FUP (Federação Única dos Petroleiros). Texto adaptado de produção originalmente destinada ao Plano de Comunicação da FUP – 2021.