Nascente 1126

EDITORIAL

É só o começo

Há quem diga que veio tarde. Afinal, não é pequena a destruição já causada pelo governo e pela gestão bolsonarista da Petrobrás ao País e à empresa. Mas quem milita no movimento sindical sabe que greve é construção. O ano inteiro de 2019, que também foi repleto de mobilizações petroleiras, gerou um grande acúmulo na categoria em uma nova realidade, um cenário político de águas turvas jamais visto. Depois de assegurado um acordo coletivo que preservou direitos que foram devastados em outras categorias, os petroleiros e as petroleiras dão o tom do começo do ano, abrindo alas de um 2020 em que os trabalhadores prometem parar o país.

Agora é partir para cima. Essa greve é importantíssima para colocar uma trava na porta e dizer: basta, vocês já foram longe demais. Está nessa correlação de forças toda a capacidade que terão os petroleiros e petroleiras de mostrarem que não, não está tudo dominado por essa barbárie que chegou ao poder. Há resistência e há apoio popular a essa resistência.

Nada é fácil. A reação continua pesada, desproporcional e até desumana. Mas a categoria não vai se intimidar. A indignação, cultivada por inúmeros desmandos, assédios e entreguismos praticados pela gestão da empresa, gerou entre os trabalhadores um forte senso de união. Como advertiam os sindicatos, as mazelas chegariam a todos, e todos se aperceberam delas. Mesmo que não esteja à venda, mesmo que não esteja em frangalhos, não há base no País que não conheça alguma das faces nefastas da gestão bolsonarista na empresa.

Por isso, não foi difícil criar a liga para declarar que todos e todas somos Fafen, todos e todas somos os desimplantados da Bacia de Campos, todos e todas somos os trabalhadores nordestinos que viram fugir os investimentos da Petrobrás, todos e todas somos os petroleiros terceirizados que perderam seus empregos ou tiveram que sujeitarem-se a salários e condições piores.
Ousaram duvidar da nossa capacidade de luta. Agora estão vendo do que somos capazes. E é só o começo.

 

ESPAÇO ABERTO

Dados para ajudar a greve*

Tadeu Porto**

Há pouco participei de uma entrevista ao vivo com o pessoal do Brasil 247, explicando a situação da greve dos petroleiros e petroleiras, iniciada ontem em todo o Brasil.

Uma das etapas do movimento grevista foi a instalação de uma comissão permanente de negociação que, desde sexta-feira, está ocupando o Edifício Sede da Petrobrás (Edise). Como um dos diretores da FUP, Federação Única dos Petroleiros, faço parte desse grupo de trabalhadores e trabalhadora.

Na “live” que fizemos muita gente perguntou como poderia ajudar o movimento e, sem muitas delongas, vou tentar contribuir aqui com uma compilação de dados para podermos realizar o debate sobre a Petrobrás.

Pra começar o mais básico: para aqueles que desejarem, sigam as páginas institucionais da FUP, que compila todas as informações de interesse da categoria petroleira e da sociedade. Temos Twitter (@FUP_Brasil), Instagram (@fupbrasil) e Facebook (Federação Única dos Petroleiros).

Além da própria página da Federação (fup.org.br), temos ainda um Instituto pensado para discutir o mundo do petróleo como um todo, da geopolítica ao mercado. O Ineep: Instituto de pesquisa do setor petróleo tem o conteúdo com uma pegada mais acadêmica, criado para um debate mais profundo sobre o petróleo (ineep.org.br).

Como exemplo, deixo um artigo dos professores Rodrigo Leão e William Nozaki sobre o impacto do Pré-Sal na industrialização do país (is.gd/artigoineep).

Por fim, para aqueles que buscam um material mais midiático, temos uma campanha de publicidade permanente chamada É Petrobras. É do povo. É Brasil (epetrobras.com.br).

* Editado em razão de espaço. Publicado originalmente no blog O Cafezinho, sob o título “Dados para ajudar a greve dos petroleiros e petroleiras”, em https://is.gd/eanascente1126. ** Diretor do NF e da FUP.

GERAL

Movimento não para de crescer

Petroleiros e petroleiras entram hoje no sexto dia de uma greve nacional que já faz história. Desde a véspera da deflagração do movimento, no sábado, 1º, uma comissão de negociação mantém a ocupação de uma sala no quarto andar do Edise, onde funciona a gerência de recursos humanos da Petrobrás. Em frente ao prédio está sendo mantida uma vigília dos sindicatos e movimentos sociais, com previsão de realização de grande ato público nesta sexta, 7. Até o fechamento desta edição do Nascente, a greve contava com adesões em 12 estados, envolvendo 35 bases da companhia.

No Norte Fluminense, também até a tarde de ontem, o movimento abrangia 16 plataformas, que tiveram as operações entregues aos gestores da empresa, o corte de rendição em Cabiúnas e atrasos nas bases administrativas. Todas as noites os diretores do Sindipetro-NF realizam interação com a categoria, pelo Facebook e pelo Youtube, para passar novas orientações, sempre ampliando a paralisação.

A categoria petroleira está em greve contra as demissões na Petrobrás. Contrariando o previsto no Acordo Coletivo, a empresa prevê as demissões de cerca de mil trabalhadores da Fafen, a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná. Como mostra o quadro ao lado, outras ações da companhia promovem o desemprego e a desestruturação da cadeia produtiva do petróleo.

A greve também denuncia a política de preços dos combustíveis da Petrobrás. Uma das formas de chamar a atenção da população para o fato de que o combustível poderia ser mais barato são as atividades de subsídio do preço do gás e da gasolina — semelhante ao realizado pelo Sindipetro-NF e outras entidades em mobilização de 2019. Ontem, botijões de gás foram vendidos a preços reduzidos em ações solidárias nos estados da Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul. No Espírito Santo, os descontos foram no preço da gasolina.

Legalidade

A assessoria jurídica da FUP e sindicatos esclareceu ontem que decisão liminar do ministro Ives Gandra, obtida pela Petrobrás, não caracteriza a greve como ilegal. “O ministro Ives Gandra concedeu liminar à Petrobrás determinando o trabalho de 90% dos efetivos operacionais, sob pena de 500 mil reais/dia, para a FUP e os sindipetros do Norte Fluminense, Bahia e Espírito Santo, e 250 mil reais/dia para os demais sindicatos. Mas negou declarar a abusividade, sem o julgamento do dissídio de greve pela Seção  de Dissídios Coletivos do TST. A questão da abusividade ainda terá julgamento, e talvez isso só aconteça em 17 de fevereiro”, explicou o Jurídico da Federação.

 

A destruição do País, da Petrobrás e dos empregos em números

Desemprego em massa
Em cinco anos, um em cada quatro trabalhadores próprios da Petrobras foi desligado da empresa e dois em cada três trabalhadores terceirizados perderam o emprego. De 2013 a 2018, foram mais de 270 mil demissões, entre trabalhadores próprios e terceirizados. A maior redução de efetivos entre as grandes petrolíferas do mundo.

Quadros próprios
Cerca de 23 mil empregados próprios foram desligados da empresa, via PDVs, sem reposição das vagas.

Terceirizados
A gestão da Petrobras reduziu em 68% o número de postos de trabalho terceirizados. 248 mil trabalhadores perderam o emprego entre 2013 e 2018.

Fechamento de unidades
1.000 demissões na Fafen-PR, cerca de 2.000 na Bahia, mais de 3.000 no Espírito Santo e Rio Grande do Norte, em função do fechamento de unidades e desativação de polos de produção da Petrobras nos últimos anos dois anos.

BR Distribuidora após privatização
Após a privatização, cerca de 1.200 trabalhadores foram coagidos a aderir ao Programa de Demissão Optativa (PDO). Entre dezembro e janeiro, mais de 600 empregados concursados foram demitidos.

Refinarias, dutos e terminais
Com privatização de 8 refinarias da Petrobrás, 2.226 quilômetros de dutos e 13 terminais, cerca de 5 mil trabalhadores próprios serão impactados em 7 estados do país. Somando os terceirizados, mais de 15 mil empregos estão em risco com a venda destas unidades.

Desindustrialização
A destruição da cadeia produtiva de óleo e gás é um dos principais motivos pelos quais a economia do país segue estagnada. A Petrobrás reduziu em mais de 50% os investimentos no Brasil entre 2013 e 2018. Os R$ 104,4 bilhões investidos pela empresa em 2013 despencaram para R$ 49,3 bilhões, em 2018. Sem os investimentos da Petrobrás, o setor deixou de gerar mais de R$ 100 bilhões para o PIB nestes cinco anos. Como consequência, 2,5 milhões de postos de trabalho foram fechados, o que representa 19% da atual taxa de desemprego.
Cada R$ 1 bilhão que a Petrobrás investe em exploração e produção de petróleo gera R$ 1,28 bilhão para o PIB e 26.319 empregos. Cada R$ 1 bilhão que a Petrobrás investe em refino gera R$ 1,27 bilhão para o PIB e 32.348 ocupações.

Preços abusivos dos combustíveis
Os gestores alteraram não só a forma de reajuste dos preços dos derivados, como reduziram em 30% a produção na maioria das refinarias e colocaram à venda metade do parque de refino.

Descumprimento do ACT
As demissões em massa na Fafen-PR e as transferências arbitrárias que estão sendo impostas pela empresa em função do fechamento e desativação de unidades por todo o país ferem o ACT (Cláusula 26 do Acordo Coletivo da Araucária Nitrogenados, que tem mesma redação da cláusula 41 do ACT da Petrobrás).

A greve dia a dia

31/01 – Às 15h, diretores da FUP ocupam sala no Edise. No NF, à noite, Face to Face passa para a categoria as orientações sobre o movimento.

01/02 – À 0h começa a paralisação. Juíza nega liminar da Petrobrás contra ocupação do Edise. Petrobrás reage com truculência e corta energia, água e ventilação da sala ocupada. Parlamentares e outras lideranças são impedidas de entrar na empresa. Somente após pressão dos movimentos sociais foi autorizada a entrada de alimentos.

02/02 – Dia começa com o movimento já contabilizando adesões em 11 estados, com 20 bases operacionais. NF realiza grande ato com os trabalhadores no portão de Cabiúnas.

03/02 – Familiares de trabalhadores da Fafen-PR, trabalhadores e militantes dos movimentos sociais iniciam vigília em frente à sede da Petrobrás. À noite, diretores do NF orientam categoria aumentar a intensidade da greve, com a entrega das plataformas, corte de turno em Cabiúnas (que acontece às 23h) e atrasos de duas horas em todas as bases administrativas.

04/02 – No início da tarde, às 14h, já chegava a 13 o número de plataformas entregues pelos trabalhadores à gestão da Petrobrás na Bacia de Campos. Cabiúnas permanecia com rendição cortada. Quadro nacional de greve atingia 30 bases envolvidas em 12 estados. Crescem as manifestações de apoio ao movimento. Ministro Ives Gandra concede decisão favorável à Petrobrás, determinando que 90% dos trabalhadores da empresa continuem em atividade.

05/02 – Número de plataformas engajadas na greve chega a 16. Jurídico da FUP esclarece decisão de Ives Gandra, que não indica ilegalidade do movimento (o que será julgado no próximo dia 17). NF e demais sindicatos reforçam orientações para intensificar a greve. Comissão de negociação continua ocupação no Edise. NF realiza ato no Farol de São Thomé.

Este resumo considera apenas algumas das principais ações nacionais e do NF. A mobilização por todo o País, em todas as bases participantes, envolve um número muito maior de atividades, que podem ser acompanhadas no site da FUP (www.fup.org.br), dos demais sindipetros e nas redes sociais das entidades.

Conselho bom se conquista

Aberto até o próximo domingo, 9, o prazo de votação para a vaga de representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Petrobrás. As entidades têm destacado que o momento é crucial e exige grande participação da categoria. “A eleição ganha uma importância ainda maior nesse momento em que a categoria luta contra o maior desmonte da história da Petrobrás”, afirma a FUP.

A Federação e sindicatos filiados apoiam a candidatura da petroleira Rosangela Buzanelli, que é diretora do Sindipetro-NF. Ontem, a candidata denunciou em seu perfil no Facebook que está sendo barrada nas portarias das bases, por ser dirigente sindical — o que, além de ser prática antissindical, compromete a isonomia do pleito para o Conselho de Administração. Esta postura da empresa em relação à Rosangela só confirma a sua profunda vinculação com a visão dos trabalhadores sobre a empresa.

Com 33 anos de Petrobrás e experiências profissionais tanto na área operacional, como geofísica, quanto na administrativa, a candidata passou por várias unidades da empresa e atualmente está lotada em Macaé. “Minha candidatura tem como um dos pontos centrais nossa participação no CA com informações qualificadas, tecnicamente precisas, para que possamos garantir as demandas dos trabalhadores e fortalecer a Petrobrás como a maior companhia do Brasil e vetor do desenvolvimento econômico e social do país”, explica.

Transpetro

Na Transpetro, a eleição para o Conselho de Administração entra em fase de segundo turno neste sábado, 8, com votação até o próximo dia 16. FUP e sindicatos apoiam a candidatura do petroleiro Felipe Homero Pontes, que obteve 551 votos (42%) no primeiro turno. Homero é técnico de Operação da Transpetro, com passagens pelo Terminal Norte Capixaba (TNC) e Terminal Aquaviário de Barra do Riacho (TABR), ambos no Espírito Santo.

 

CURTAS

Fevereiro quente

Outras duas categorias, dos funcionários da Casa da Moeda e da Dataprev, estão mobilizados contra as demissões e privatizações. Os primeiros realizaram greve de advertência na última segunda, 3. Os segundos seguem com paralisação, que levou a negociação para o TST. Sindicalistas avaliam que, somada à greve dos petroleiros, estas mobilizações são capazes de criar um cenário que estimule paralisações de outros setores organizados dos trabalhadores.

Conjuntura

O coordenador do Sindipetro-NF, Tezeu Bezerra, fez um bate papo transmitido pelo Facebook e outras redes sociais com o economista Eduardo Moreira, a partir do estúdio da TV NF. O conteúdo ajuda a compreender os fatores envolvidos na greve dos petroleiros e na conjuntura brasileira. Vale a conferida, o comentário e o compartilhamento em is.gd/tezeu_eduardo.

Apoios

Dezenas de entidades e personalidades têm manifestado apoio à greve dos petroleiros. Do ex-presidente Lula e do ex-candidato à Presidência, Guilherme Boulos, a artistas como Benvindo Cerqueira e federações como a dos jornalistas (Fenaj) e a dos engenheiros (Fisenge), além das centrais sindicais, como a CUT e a CTB. O MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores) e o MST (Sem Terra), parceiros históricos dos petroleiros, também apoiam o movimento.

Torcida

O próximo domingo é dia de torcer pelo Brasil no Oscar. “Democracia em vertigem”, de Petra Costa, que tanto incomodou os que compactuaram com o Golpe de 2016, disputa a estatueta de melhor documentário. O filme mostra ao mundo os bastidores da deposição da ex-presidenta Dilma Rousseff. Sua indicação ao prêmio, por si mesma, já representa um alento em tempos de escalada do fascismo.

NORMANDO

Nenhum motivo para a greve…

Normando Rodrigues*

O mundo de fantasia da Casa Grande brasileira é extraordinário. E, não podemos deixar de reconhecer, o zelo com que seus integrantes cuidam da tradição escravocrata é coerente e disciplinado.

Na decisão do TST desta terça, na qual se tenta proibir a realidade, o ministro que concede liminar à Petrobrás se declarou chocado pela “ausência de motivação para tão drástica medida”.

Os empregados da Petrobrás já sabem que as decisões e multas afetam seus sindicatos, e não os trabalhadores, individualmente. Os contratos individuais estão suspensos, e as mensagens dos capitães do mato da Casa Grande devem ser ignoradas, venham elas por zap, e-mail, telegrama, ou por capangas armados batendo à porta das casas, como vem acontecendo no Paraná. Aliás, fica aqui o alerta: não abra a porta de casa para qualquer um!

Um tapa após o outro

Não existem motivos para a greve, não é mesmo?

A Petrobrás escolhe cumprir a medida provisória que corta as mensalidades sindicais, e NÃO CUMPRIR a medida provisória que permite a negociação da PLR 2019, apesar do compromisso de negociar, constante da ata do ACT assinado em 4 de novembro, no… TST!
Também na ata assinada no TST estão as obrigações de negociar o banco de horas, e participação na gestão da AMS. Mas o fato da Petrobrás não ter cumprido esses compromissos não é motivo para “tão drástica medida”.

Ainda no próprio TST a Petrobrás se comprometeu a negociar as novas tabelas de turno. Em lugar disso impôs a tabela de “3×2” em ciclos de 5 dias, fazendo com que os trabalhadores de turno passem a ter apenas 1 fim de semana por mês coincidindo com as folgas. Porém…

Não ver a família no fim de semana…

não é razão para “tão drástica medida”. Assim como não há causa razoável para “tão drástica medida” no fato de a Petrobrás gatunar a hora extra da troca de turno, excluindo da jornada o tempo de deslocamento dentro das unidades, e o tempo da obrigatória troca de vestimenta.
Por fim, claro, há a…

Demissão em massa…

a qual jamais poderia ser fundamento para “tão drástica medida”. Mil trabalhadores desempregados, mil famílias jogadas no desespero, não constituem a legitimidade de uma greve. Oras!

Curiosamente a demissão em massa viola cláusula de acordo, assinado em 4 de novembro no exato mesmo TST que agora desqualifica a motivação.

Realmente é um mistério a motivação dessa greve. O que levou milhares de trabalhadores a “tão drástica medida”?

* Assessor jurídico do Sindipetro-NF e da FUP.
[email protected]