Pesquisa da Fiocruz reúne petroleiros para falarem sobre saúde mental nos locais de trabalho

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Vitor Menezes / Imprensa do NF – A Fiocruz, em parceria com os Sindipetros NF, RJ e Caxias, está realizando uma pesquisa com a categoria petroleira para identificar os impactos do ambiente de trabalho na saúde mental. Com o título “Saúde mental e trabalho na indústria do petróleo e gás no estado do Rio de Janeiro”, a pesquisa é feita por meio de reuniões dos pesquisadores e pesquisadoras com um grupo focal de petroleiros, com trabalhadores próprios e terceirizados, de refinarias, plataformas, centro de pesquisa, salas de controle e administrativo.

De acordo com a coordenadora da pesquisa, a psicóloga Luciana Gomes, que foi uma das expositoras em mesa sobre o tema durante o 19° Congrenf, alguns resultados parciais já podem ser identificados. Confira entrevista da pesquisadora à Imprensa do NF.

Pesquisadora Luciana Gomes, durante exposição no 19° Congrenf

O que a senhora pode antecipar como resultados parciais da pesquisa?

A gente tem observado que a questão da saúde mental está bastante relacionada à questão da organização do local de trabalho, e isso pode ser afirmado porque a gente tem trabalhadores de diversos locais, de refinaria, plataforma, sala de controle, administrativo, o que a gente percebe que o que há de comum entre eles é como a organização se coloca e como tem servido para contribuir no agravamento da saúde mental. São relatadas muitas formas de violência no trabalho, quer seja questão de assédio moral, assédio sexual, discriminação de gênero, etarismo, discriminação contra a população LGBTQIA+… Esses são os pontos mais fortes. Todas as formas de violência têm afetado muito a saúde mental, sobretudo porque elas ferem os direitos humanos no trabalho, ferem a dignidade do trabalhador, até em questões que não passam pela competência. É valorizado muito mais a questão corporativista, de ascensão ou promoção no trabalho, mas em função das relações de amizade do que de competência, então isso traz um sofrimento muito grande, de desvalorização do trabalho, os aspectos técnicos relacionados ao trabalho.

É possível identificar se há algum segmento da categoria que é mais impactado do que outro?

Não. Como é uma pesquisa qualitativa, o número é pequeno e aí não dá para fazer esse correlação.

Na sua exposição no Congrenf, a senhora revelou que os petroleiros demonstram desconfiança em relação aos mecanismos institucionais, como as ouvidorias. Isso ainda acontece?

Houve uma transformação. Quando eles traziam a questão do assédio havia muito disso, da dificuldade de provar o assédio, a dificuldade de transformação. Porque assim, quando a pessoa chega no nível de fazer uma denúncia já está na ordem do insuportável. Fica muito difícil para os trabalhadores, alguns tentaram o caminho de judicializar. O curioso é que todos falam, grupos até diferentes de trabalhadores falam que o assediador cai pra cima. É muito frequente isso. A pessoa foi assediada, ela conseguiu reunir até algumas provas e tudo mais, mas o assediador, ao invés de ser investigado, para que seja comprovado ou não, ele recebe uma promoção, recebe qualquer coisa, e a pessoa ainda acaba sendo discriminada, sofre algum tipo de sanção, alguma coisa acontece com ela. Muitas questões de assédio não estavam sendo denunciadas em razão disso. E aí a gente teve um caso que saiu na mídia, em abril, e teve um impacto dentro da nossa pesquisa. Com essa visibilidade, que saiu tanto na Globonews quanto no jornal O Globo, a reportagem, com detalhes sobre um assédio sexual, um assédio moral, e teve aquele grupo que foi criado, do Me Too, tiveram muitas denúncias. Foi um espaço que a própria empresa criou para ter alguns campos de discussão, que acabou servindo para ser um espaço de encontro dessas pessoas. Porque se estava tudo muito silenciado, com esse tipo de ferramenta da tecnologia serviu para algo positivo, de identificação, de ver mais casos.

A minha dúvida era se estava havendo uma mudança nessa crença nos mecanismos institucionais neste ambiente de nova gestão na Petrobrás…

Esse grupo que a gente está trabalhando é um grupo pequeno, eu posso falar do que a gente observa nesse grupo. E teve mudança sim. Estão atentos a esses mecanismos que foram criados, como esse 0800, o GT que teve, inclusive com algumas demandas que foram encaminhadas pelas federações ao GT muito pertinentes. Não sei o quanto foi acolhido mas pelo menos eles escutaram o que as federações estavam trazendo em relação ao combate ao assédio. Aparentemente tem movimentos, tem políticas dentro da empresa, que estão acontecendo, que parece que está tendo mudança. A gente não tem avaliar exatamente, o papel da pesquisa não é esse, mas o que a gente tem observado nesse grupo é que já tem sim transformações.

Uma questão que os sindicatos discutem é o modo de tratar os suicídios. Às vezes são difíceis de tratar, exigem muita cautela na divulgação, há situações delicadas até de apuração. Esse tema também faz parte do escopo da pesquisa?

Por enquanto não. A gente teve conhecimento de vários casos de suicídio, a gente ainda não está tratando especificamente desse ponto. Mas o suicídio, ao final das contas, é como se fosse a culminância do sofrimento mental. Chega a um nível que chega àquela situação em que a pessoa dá cabo da própria vida.

Uma das intenções da pesquisa é criar um protocolo. Para que exatamente seria esse protocolo? É de abordagem pelos profissionais da saúde da empresa? Como seria?

Como a pesquisa está sendo desenvolvida com os sindicatos, a ideia é que a gente possa construir conjuntamente, com os trabalhadores de saúde dos sindicatos, esse tipo de protocolo de abordagem dos casos de sofrimento e adoecimento mental. É bastante amplo também. Quando fala de depressão, ansiedade, está dentro de um quadro mais das neuroses, mas vários outros aspectos da saúde mental que precisam ser melhor encaminhados para criar ambientes que sejam mais promotores da saúde. A nossa ideia é poder auxiliar nesse processo junto aos sindicatos, para que eles possam ter esse papel também. E, se for possível, também dialogar com a empresa. Porque a empresa também tem se colocado interessada em saber dos desdobramentos da pesquisa para que eles possam abrir um canal de diálogo da academia com os sindicatos e as empresas.

Como trabalhadores podem participar ou ter mais informações sobre a pesquisa?

A gente está encerrando agora uma segunda fase. A terceira fase é fazer uma oficina aberta com ampla divulgação entre os sindicatos que estão participando da pesquisa, para que as pessoas possam participar de um grupo maior. O primeiro momento foi com um grupo menor, com 15 membros. Nesse das oficinas vamos poder discutir mais amplamente, provavelmente no segundo semestre a gente vai fazer essa divulgação dessa oficina e posteriormente dos resultados. A ideia é poder fazer uma divulgação ampliada nos meios de comunicação dos sindicatos e também de forma acadêmica, porque isso é importante para dar um certo peso aos resultados e contribuir na luta.

 

[Fotos: Luciana Fonseca / Imprensa do NF]