Petrobrás completa 68 anos neste domingo em cenário preocupante de encolhimento

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Vitor Menezes / Da Imprensa do NF – Sob a presidência de um general, que deve associar 68 mais facilmente ao AI-5 do que ao tempo de existência da empresa, a Petrobrás completa seu 68º aniversário no próximo domingo. Fundada em 3 de outubro de 1953, por meio da sanção da lei 2004 pelo então presidente Getúlio Vargas, a companhia passa atualmente por um dos momentos mais difíceis da sua história, com acentuado desinvestimento em curso e promessas reiteradas de privatização — como a feita nesta semana pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que disse vislumbrar a venda por inteiro da empresa em um prazo de dez anos.

“Desde 2016 a Petrobrás já desinvestiu mais de US$ 36 bilhões. A empresa tem vendido seus campos de terra e águas rasas, refinarias, ativos relacionados aos segmentos de gás, renováveis, fertilizantes, petroquímica e termelétricas. A Petrobrás que descobriu o pré-sal já não existe mais com o mesmo grau de integração e verticalização”, protesta o coordenador geral do Sindipetro-NF (Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense), Tezeu Bezerra.

Tezeu Bezerra: preocupação com a venda de diversos ativos da empresa

Números do desmonte

De acordo com dados reunidos a partir dos relatórios da empresa pela subseção do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) na FUP (Federação Única dos Petroleiros), a empresa recuou drasticamente em volume de investimentos e na capacidade de geração de empregos próprios e terceirizados. “A empresa vinha em processo de crescimento no volume de investimentos, entre 2003 e 2006, responsável pela descoberta dos campos no pré-sal. Depois, no período de 2006 a 2013, os investimentos continuaram crescendo, seja para tornar possível a produção do pré-sal, como a construção e adaptação das refinarias para abastecimento da demanda nacional de derivados. O país crescia e era preciso ter condições para abastecer a população. A partir de 2014, principalmente pós Lava-jato, percebe-se mudança na gestão estratégica da empresa e redução drástica dos investimentos. O volume de investimento em 2020 é 83% menor que em 2013”, explica o economista Cloviomar Cararine, técnico do Dieese/FUP.

Investimentos permamentemente em queda na Petrobrás desde 2013, com impactos da Lava Jato e de políticas recentes

Em 2013, o investimento da Petrobrás chegou a US$ 48 milhões. Em 2020, este montante caiu para US$ 8 milhões. Nos empregos, a queda foi de 85.065 trabalhadores próprios e 360.180 terceirizados, em 2012, para 49.050 próprios e 92.766 em 2020.

Gráfico produzido pelo Dieese mostra declínio do número de empregos gerados pela Petrobrás, depois de recorde em 2012

Na avaliação do economista, mesmo com a redução nos investimentos e a queda na geração de empregos próprios e terceirizados, não há indícios de que a Petrobrás vá deixar de existir como empresa, mas há sinais de que a companhia pode perder relevância e mudar o seu perfil de origem se não houver uma mudança de rumos nos próximos anos.

“Não acredito que a Petrobrás, como empresa, irá desaparecer, principalmente enquanto tiver reservas a explorar nos campos do pré-sal. A Petrobrás estatal já está há bom tempo deixando de existir e uma lógica privada passou a dominar a gestão da empresa. Seja pela redução dos investimentos e dos empregos, a empresa tem focado em poucos, mas gigantes, campos de petróleo. Há risco, se continuar com essa estratégia, de não descobrir novas reservas e explorar todo o petróleo para exportação”, afirma.

O economista complementa ainda que “havia importantes investimentos em outras fontes de energia, garantindo a empresa realizar a necessária sustentabilidade energética e a transição. Agora, com a saída destes projetos, a empresa está correndo risco de “perder o bonde” da transição energética. Ou seja, a Petrobrás de hoje durará alguns anos ainda. O problema é que deixou de ser uma empresa estatal; está deixando de investir e gerar renda e empregos no país; explora poucos, mas rentáveis, campos de petróleo e está exportando óleo cru; gerando grandes lucros e pagando dividendos aos acionistas; não investindo em novas fontes de energia e se preparando para a mudança energética; perdendo trabalhadores qualificados”.

Cloviomar: números mostram que Petrobrás se afasta dos seus propósitos iniciais

Mudança necessária

Uma mudança de rumos na empresa é defendida por Cararine como sendo vital para que a Petrobrás retome um papel de indutora do desenvolvimento nacional. “A Petrobrás pode e deve retornar ao projeto integrado, do poço ao posto, é importante para ela e para o Brasil. Para isso acontecer, precisamos mudar sua gestão, mudar a governança da empresa. Para isso, o acionista majoritário, a União, precisa de um projeto totalmente diferente do atual. Há também que mudar a visão estratégica do ministério e da ANP. Há a possibilidade de reversão do desmonte da empresa também. Se elegermos um projeto de país mais autônomo e soberano em 2022, podemos iniciar um processo de reconstrução do setor e da Petrobrás”, defende.

Bezerra também concorda com a necessidade de mudança na empresa, assim como com o diagnóstico de que essa guinada de rumos passa pelas próximas eleições. “A recomposição da Petrobrás não depende apenas de uma decisão econômica e técnica, a reconstrução de uma empresa integrada depende de uma nova correlação de forças social e política e depende de um projeto orientado pelos princípios da soberania e da segurança energética. O movimento sindical é parte fundamental dessa luta e vamos estar sempre nas primeiras trincheiras na defesa do que é nosso por direito. Somente um novo governo popular e com uma forte base social, política, democrática e nacionalista seria capaz de fazer novamente essa integração”, afirma o sindicalista.

Outro que defende o retorno da companhia a um modelo que priorize os interesses nacionais é o diretor do Sindipetro-NF e ex-coordenador da entidade e da FUP (Federação Única dos Petroleiros), José Maria Rangel. “[A Petrobrás] é uma empresa que tem como seu acionista majoritário o governo federal. Quem determina o rumo que ela vai tomar é o governo federal. E o governo federal hoje, já a partir do golpe de 2016 contra a presidenta Dilma e a ascensão do golpista Michel Temer, vem numa linha de diminuir a Petrobrás, diminuir a capacidade da Petrobrás de desenvolver o nosso estado, de ser uma empresa pujante, de ser uma das cinco maiores empresas de energia do planeta. Nós temos duas frentes de ataque: a frente da mobilização, que ela continua sendo capitaneada pela FUP, e a frente da gente tentar trocar os rumos políticos do nosso país no próximo pleito eleitoral, que vai se dar em 2022”, aponta o sindicalista.

José Maria: reversão das vendas é difícil, não impossível

Reversão difícil, não impossível

José Maria pondera, no entanto, que mesmo com uma mudança no cenário político a partir de 2023, não será fácil reconstruir a empresa, após tantas vendas de subsidiárias e ativos realizadas nos últimos anos. “Não é uma tarefa muito fácil você reverter, recomprar aquilo que já foi vendido. Vamos lembrar que o país tem uma carência muito grande áreas sociais, carência na educação, carência na área de saúde, carência na geração de emprego, e que vamos ter que optar para onde é que vão os recursos que o Brasil porventura os tenha em 2023, quando a gente espera que o novo presidente, o presidente Lula, tome posse. Não é uma tarefa muito fácil você recomprar esses ativos. Por outro lado não é impossível. Não é de todo descartada essa possibilidade. Recomprar tudo pode ser muito difícil, mas recomprar uma parcela da companhia que influencia diretamente no dia a dia da população, talvez”, avalia.

Ele cita como exemplos de possíveis reversões as refinarias e a distribuição de combustíveis, que era feita pela Petrobrás por meio da Liquigás. “É difícil, mas não é impossível. Vai depender muito da força política, da musculatura que o presidente Lula sairá das urnas, da quantidade de parlamentares que o campo progressista vai eleger. E do quanto esse debate do preço dos derivados vai tomar conta da campanha eleitoral. Eu não tenho dúvida de que o debate do preço dos combustíveis, o debate da crise da energia elétrica, com a iminência de um novo apagão e um novo racionamento, vão tomar grande parte do debate eleitoral”, afirma Rangel.

Aniversário de 68 anos

Sobre ter razões para comemorar o aniversário, as avaliações variam de acordo com análises que ora pontuam mais o cenário preocupante atual e ora apontam para esperança no futuro. Mais cético, o economista Cloviomar Cararine afirma que “infelizmente, neste aniversário de 2021, não temos como comemorar a criação da Petrobrás. Seu objetivo inicial não está sendo seguido, a empresa está “sequestrada” por um projeto de empresa privada, gerando riqueza e distribuindo para poucos. Hoje, uma empresa na mão do mercado financeiro, sem perspectivas de longo prazo e concentradora de renda “.

O coordenador do NF, lembra que “a Petrobras é resultado de uma história de lutas e resiliência da sociedade brasileira”. Para ele, “o que está em disputa hoje no Brasil é se a Petrobras seguirá como empresa produtora e exportadora de óleo cru ou como empresa indutora e promotora do desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico do país, que é sua vocação. Nós petroleiros sempre fomos os maiores defensores da Petrobrás e isso não mudará, no que depender de nós ela chegará aos 200 anos, sendo novamente uma grande empresa de energias renováveis e peça fundamental de desenvolvimento nacional”.

José Maria defende que o aniversário da empresa é “motivo de muita comemoração”. Ele também lembrou que a companhia só existe em razão de muitas lutas populares e que nunca teve vida fácil. “A Petrobrás nasce de um movimento de rua, a vontade popular, a grande campanha do Petróleo é Nosso, uma empresa que veio ao longo de toda sua história superando inúmeros desafios, mesmo com a descrença de alguns brasileiros, mas alguns brasileiros barulhentos que sempre jogaram contra a Petrobrás. A Petrobrás é o exemplo do Brasil que deu certo, uma empresa que tem hoje reconhecimento internacional por tudo que fez ao longo dos últimos anos”, aponta.

“A Petrobrás é muito grandiosa e isso tudo é fruto de um esforço muito grande do próprio corpo de funcionários da Petrobrás, que se supera, que se descobre a cada novo desafio que é colocado para nós. É com muito orgulho que nós, no próximo dia 3 de outubro, vamos comemorar os 68 anos da Petrobrás. Todos nós. É motivo de comemoração não só os funcionários próprios e terceiros da Petrobras, como também de toda a sociedade brasileira por nossa empresa ser essa gigante que ela é hoje”, conclui.

Podcast

A partir da provocação “A Petrobrás faz 68 anos, mas chegará aos 70?”, a Rádio NF produziu Podcast que traz conversa moderada pelo jornalista Álvaro Marcos com a atual representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Petrobrás, Rosângela Buzanelli, e com José Maria Rangel, que integrou o conselho também como integrante eleito pela categoria. Ouça abaixo: