Petrobras, Operação Lava Jato e política de conteúdo local

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Leonardo Bispo de Jesus Júnior*

Antes mesmo da Operação Lava Jato ser deflagrada, os indicadores econômicos e financeiros da Petrobras já se deterioravam: as agências de rating, apesar de manter o grau de investimento da companhia, apontavam como fatores determinantes para esta deterioração e redução dos dividendos distribuídos aos acionistas e do valor de mercado, seu agressivo programa de investimentos e sua exposição à interferência política local.

A interferência política vinha influenciando o déficit comercial da companhia, devido à crescente necessidade de importar produtos refinados, que acabavam sendo vendidos a preços abaixo da sua paridade internacional, e dificultando o atendimento de suas metas de produção, em função do nível de equipamentos críticos necessários para exploração e produção (E&P) das áreas do pré-sal e a exigência de cumprimento das metas de conteúdo local.

Com a Operação Lava Jato e piora destes indicadores, algumas consequências sucederam-se: (i) as principais agências de risco de crédito rebaixaram os ratings da Petrobras; e (ii) acirrou-se o debate acerca da reversão do marco regulatório e da flexibilização da política de conteúdo local. O objetivo deste texto é analisar como estas questões se relacionam.

A Petrobras, desde sua criação, em 1953, até meados da década de 1990, encampou as diretrizes políticas do Estado brasileiro, centradas no desenvolvimento da indústria doméstica, a partir do direcionamento de suas compras. Com isto, a estatal buscava, inclusive, a capacitação dos fornecedores nacionais do ponto de vista tecnológico. Essa política enfrentou sérias limitações, em função destes fornecedores se restringirem, quase sempre, a receber e aplicar conceitos desenvolvidos na Petrobras, o que tornou a indústria para-petrolífera (IPP) brasileira pouco competitiva e dependente de um mercado doméstico protegido.

Na esteira das modificações ocorridas nas grandes corporações, como consequência do processo de globalização financeira e produtiva a partir da década de 1980, os programas de nacionalização perdem força já na década de 1990 e o discurso governamental se volta à competitividade e exposição da indústria nacional à concorrência estrangeira. Neste contexto, a situação dos fornecedores domésticos de equipamentos e serviços piorou.

Com o fim do monopólio da Petrobras na atividade petrolífera do país em 1997, o Estado brasileiro, preocupado com o destino da indústria e dos fornecedores locais, passa a incorporar índices de nacionalização nos critérios para seleção dos leilões de áreas de E&P de petróleo e gás natural (P&G).

Esses critérios se fizeram presentes desde o processo de licitação dos primeiros blocos exploratórios, na Rodada 1, em 1999. Porém, apenas na Rodada 4, em 2003, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) fixa um nível mínimo de conteúdo local, a ser observado pelo concessionário, na Fase de Exploração e na Etapa de Desenvolvimento.

Portanto, a política de conteúdo local no setor de P&G brasileiro, construída ao longo da última década por meio de cláusulas nos contratos de concessão e de resoluções da ANP, teve como referência o modelo de E&P criado pela Lei 9.478/97, que pôs fim ao monopólio estatal neste setor.

Com o fim do monopólio, a participação de empresas brasileiras no suprimento de equipamentos e insumos para a exploração, produção e refino de P&G no país passou a ser assegurada pela imposição aos investidores de participação relevante dos fornecedores locais no suprimento da demanda de bens e serviços.

Em 2010, o modelo de E&P de P&G, criado pela lei 9.478/97, foi parcialmente abandonado, a partir do entendimento de que o panorama, quando da introdução do sistema de concessão, era diferente daquele que se apresentava com o anúncio, em 2007, da existência de uma nova realidade geológica para a indústria petrolífera brasileira e internacional.

Assim, com o estabelecimento do novo marco regulatório, o monopólio da Petrobras foi restituído para as atividades desenvolvidas na área do pré-sal e em áreas estratégicas: a companhia passaria a ser operadora de todos os blocos licitados, com participação mínima de 30% no consórcio formado para executar as atividades sob esse regime, respondendo pelo cumprimento da exigência de conteúdo local fixada no contrato de partilha da produção e encampando o desenvolvimento da IPP brasileira.

Porém, o contexto internacionalizado da IPP, a alta especialização das muitas empresas que atuam nesse segmento e o elevado market share das empresas líderes em cada segmento, aliado à baixa capacitação tecnológica da IPP nacional e ao programa de investimento da Petrobras, que impõe uma resposta rápida da IPP nacional às demandas desta companhia, colocam sérias dificuldades para o sucesso de uma política de conteúdo local, sendo o sucesso avaliado a partir da efetividade da política na capacitação dos fornecedores nacionais de maneira a torná-los competitivos no mercado global.

As empresas para-petrolíferas brasileiras apresentam como principal fragilidade, até hoje, a baixa capacitação tecnológica; no geral, licenciadoras de tecnologias de empresas líderes internacionais, quando não uma filial de empresa multinacional. As empresas nacionais ocupam os setores de menor complexidade tecnológica, deixando, até mesmo, os projetos de engenharia básica para serem executados por empresas internacionais.

Com isto, percebe-se que a política de conteúdo local coloca a Petrobras na contramão do que tem sido a tendência das grandes corporações no período pós década de 1980: primeiro, pela esperada elevação de custos, dada a obrigação de adquirir insumos com maior preço; segundo, pela incerteza relacionada à possibilidade dessa modalidade de política promover, adequadamente, ganhos de competitividade suficiente para ampliar a capacidade de inovar e reduzir, no futuro, os custos dos fornecedores e, por conseguinte, da Petrobras.

Isto pode ter sérias implicações para o financiamento da companhia, dado que esta tendência é a diretriz das agências de rating na determinação do grau de investimento corporativo, e, por conseguinte, dos investidores internacionais e das instituições financeiras na determinação de seus spreads.

A partir do exposto, pode-se concluir que não é aconselhável desprezar a lógica financeira, dada a necessidade de financiamento do programa de investimento da Petrobras. Neste sentido, o desenho ideal de uma política industrial para o setor de P&G deve centrar-se menos no percentual do conteúdo local e mais no valor agregado deste. Dada a estrutura de mercado da IPP, esta política deve ser menos diversificada e mais focada em setores, atividades e/ou tecnologias que agreguem mais valor e onde os grandes players da indústria não atuem. Isto viabilizaria a capacitação dos fornecedores locais para competir no mercado global.

 

* Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pesquisador da Unidade de Estudos Setoriais (UNES-UFBA). Bolsista do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) no Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

 

[Artigo publicado originalmente no site Diálogo Petroleiro, projeto do Sindipetro-NF com o Brasil Debate, aqui]