Transporte não é mercadoria. É direito de todos

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Imprensa da CUT – Pensar os transportes do Brasil como direito social e para o desenvolvimento econômico, sustentável e moderno foi a missão de representantes das entidades que integram a Frente Brasil Popular (FBP), como a CUT, no último sábado (1°), durante o Fórum Nacional de Transportes de Mobilidade Territorial e Logística. O grupo de trabalho (GT) responsável pelo tema, dentro do Projeto Brasil Popular, convidou especialistas no setor para subsidiar o debate e apresentar propostas.

O projeto, elaborado pela Frente, é constituído de mais de 30 temas e será entregue, em 2019, ao novo governo brasileiro.

No Brasil de hoje, o transporte rodoviário, tanto de passageiros, como de cargas (logística), impera sobre os demais modais. Segundo dados da Fundação Dom Cabral, 75% da produção do país passa pelas estradas brasileiras. Os transportes marítimos vêm em seguida com 9,2%. Transportes aéreos representam 5,8%. Ferroviários, 5,4%. Cabotagem e hidrovia são 3% e 0,7%, respectivamente.

Para Evaristo Almeida Prates dos Santos, que coordena o GT, é necessário pensar um Brasil a médio e longo prazo, e emergências de curto prazo, para que o país alcance uma infraestrutura de transportes compatível com a sociedade do século 21, igualitária, com distribuição de renda e democrática.

“O modo de fazer os deslocamentos de pessoas e mercadorias deve ser racional, o mais sustentável possível”, ele diz.

Evaristo classifica como desequilíbrio a concentração de transportes no modal rodoviário e afirma: “A gente precisa de trem, de hidrovia e outras formas de transportes que ofereçam alternativas econômicas, eficientes e sustentáveis tanto para empresas como para o povo”.

Maria Fumaça

A ferrovia, no passado, foi protagonista no setor de transportes. Até 1950 o Brasil andou nos trilhos, tanto urbanos, por meio de bondes, como no transporte de cargas. Evaristo avalia que as mudanças de acumulação econômica no processo capitalista relegaram a ferrovia ao segundo plano.

“A China constrói 3 mil km de ferrovia por ano. Outros países investem no transporte rápido sobre trilhos. O impacto ambiental é muito menor”, completa o especialista em transportes e mobilidade.

Evaristo acredita que o século 21 seja novamente do transporte sobre trilhos, porque, segundo ele, o modelo atual brasileiro vai contra tudo o que se fala sobre sustentabilidade.

“No Japão já existe o trem baseado na levitação magnética, que chega a 600km/h. A tecnologia avança em velocidade alta. Aqui, temos poucos trens de passageiros para transportes intermunicipais. E o trem é mais rápido que o automóvel”. Evaristo conta que em outros tempos, “era mais fácil ir de carro. Hoje, se você pega um trem em uma metrópole, você chega mais rápido do que por meio terrestre”.

A conclusão de Evaristo é de que quando a qualidade dos transportes é priorizada, melhora o nível de vida dos cidadãos. Um dos coordenadores da Central de Movimentos Populares (CMP), Benedito Roberto Barbosa (Dito), concorda. Ele aponta também que a falta de integração entre os modais de transportes, acentuam as dificuldades já vividas pelas populações mais pobres das cidades. Por isso, segundo ele, o transporte tem que ser pensando levando em consideração outros aspectos como habitação e saneamento.

“Trabalhadores sofrem com o alto custo, a qualidade ruim e a falta de integração de trânsito. Além disso, muitas vezes o transporte de ônibus não dialoga com trens e metrôs, o que dificulta a mobilidade, principalmente para quem tem baixa renda e mora longe do trabalho”, afirma Benedito.

Outros modais

Para o portuário Eduardo Guterra, secretário adjunto de Organização e Política Sindical da CUT, o modelo neoliberal faz que com que os transportes sejam pensados sob a lógica do lucro das corporações e não como política social para o desenvolvimento não só econômico, mas social. E a classe trabalhadora é que deveria ser a prioridade, o foco de políticas públicas que incrementem o setor.

Ele exemplifica com a gestão nos portos brasileiros que passa por um processo de tentativa de privatização. Atualmente, apenas os terminais dos portos são privatizados. “É como se fosse um condomínio, onde cada um cuida da administração de seu terminal, mas a gestão do porto é pública”.

Portaria privatizada

Eduardo Guterra faz a analogia para explicar: “O porto é uma fronteira do Brasil. Uma portaria, que se operar sob gestão privada, causa insegurança para soberania nacional”. Segundo o dirigente, o impacto não é só econômico. “Estamos falando em meio ambiente, saúde e segurança no trabalho, prostituição, tráfico de drogas e outros aspectos que estariam sob risco de o Estado perder totalmente o controle. Falamos de soberania”, diz Guterra.

Tem futuro?

Segundo o ex-secretário executivo do Ministério dos Transportes no Governo Lula, Kenji Kanashiro, o futuro dos transportes no Brasil depende de projetos que sejam elaborados a longo prazo, pensando na sociedade como um todo. A começar pelas tarifas cobradas.

No caso dos transportes rodoviários, basta trafegar por qualquer rodovia sob concessão para comprovar o alto preço dos pedágios. O mais caro do Brasil está no sistema Anchieta-Imigrantes, administrado pelo consórcio Ecovias, onde a tarifa é de R$ 26,20.

Rodovia Anchieta nos anos 1950

Kenji explica que atuação das concessionárias nas rodovias deveriam ter regulamentação mais severa do Estado. “Tem que ter algo para garantir o controle da prestação de serviço, o que não há com o golpista [e ilegítimo] Temer. O que há é uma entrega”.

Uma das propostas do Fórum de Transportes e Logística da Frente Brasil Popular é, justamente, um marco regulatório que controle o preço das tarifas modernize a aferição de preços. No Estado de São Paulo, por exemplo há um forma ainda antiquada de se calcular a tarifa, que é feita por fotocélulas que controlam a passagem dos veículos. Os valores são definidos de acordo com o número de eixos.

A primeira rodovia a ter a cobrança em São Paulo foi a Anchieta. Inaugurada em 1947 (pista norte) e 1953 (pista sul), a rodovia recebeu as primeiras cabines de em 1972. Em 1998, o então governador Mario Covas abriu a concessão para empresas privadas. O contrato firmado foi de 20 anos.

 caminhão trucadocavalo trucado e carreta três eixos

 

Quem dá mais gasto?

Um caminhão trucado (três eixos) danifica mais o pavimento do que uma carreta com três eixos e cavalo de dois eixos, que tem o peso mais distribuído, maior tração e por isso, desgasta menos o pavimento. “Isso não interessa ao concessionário que pode arrecadar mais da outra forma”, critica o ex-secretário.

“Uma coisa é termos um pagamento justo pelo investimento, mas a tarifa tem que estar também de acordo com a possibilidade do usuário. Em transportes de carga, a ideia é cobrar tarifas diferentes de acordo com o valor agregado dos produtos transportados”.

Ainda de acordo com Kenji, a proposta de cobrança de tarifa justa pode ser aplicada a todos os modais, não só o rodoviário. Inclusive para o cidadão. “Na maioria dos países do mundo, o usuário paga de 30 a 40% da tarifa. O Estado arca com o resto. Defendemos que haja subsidio”, completa.