Falta de informação sobre Covid-19 em locais de trabalho atrasa combate à pandemia

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no whatsapp

A falta de estatísticas mais detalhadas sobre a pandemia do novo coronavírus (Covid-19), que já matou até esta sexta-feira (5), 34.072 pessoas no Brasil, pode esconder dados que seriam fundamentais para a elaboração de estratégias de combate à doença. Uma dessas falhas na coleta de informações é a ausência de um campo muito simples na ficha de notificação de casos de Covid referente à atividade profissional da vítima, ou seja, “onde a pessoa trabalha”?

Poderia estar lá, mas não está.

Além dos números oficiais divulgados pelas autoridades, possivelmente, não representarem a quantidade real de casos, por causa da subnotificação, que acontece por falta de testagens e pela existência de pacientes assintomáticos, ainda não se tem uma dimensão precisa sobre locais onde os surtos acontecem.

Especialistas e entidades da área de saúde já pediram ao Ministério da Saúde uma modificação na antiga ficha de notificação, para que passe a ter esses dados, mas no governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), que sequer tem um especialista da área como ministro, mudar ou propor qualquer estratégia é caso perdido.

A afirmação é da médica Maria Maeno, pesquisadora de saúde do trabalho. Ela diz que “com Bolsonaro não existe um comitê científico preparado para lidar com as necessidades de enfrentamento à pandemia”.

Não temos ministro da Saúde e não temos comando federal, somente um caos que contribuiu para a demora no combate à pandemia”.

– Maria Maeno

Por isso, a ação de rastrear locais de trabalho onde há maior número de casos, se torna uma tarefa difícil, que tem sido feita pelos próprios trabalhadores, por meio de denúncias, da ação sindical e da fiscalização e autuação do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Maria Maeno explica que coletar esses dados é de vital importância para poder “mapear o caminho que o coronavírus está fazendo”. Em especial na atual conjuntura em que estados e municípios já começam a afrouxar as regras de isolamento social, única forma de conter a pandemia e não sobrecarregar o sistema de saúde.

Com dados mais precisos, seria possível definir estratégias para a segurança das pessoas nos locais de trabalho e na sociedade em geral.

Mesmo com medidas de segurança, locais de trabalho são locais de risco. A médica explica “são lugares de concentração de pessoas, por isso é fundamental que haja um cuidado especial além do mais básico, que é o distanciamento”. Ter acesso a esses dados – de trabalhadores infectados por ramo de atividade – possibilitaria saber em um primeiro momento onde estão os focos e, assim, traçar as estratégias para barrar o avanço da pandemia.

Ela cita como exemplo os frigoríficos, que têm apresentando surtos de casos entre os trabalhadores, que inclusive se estenderam à família. Esses casos, como em outras categorias, só foram mapeados e vieram a público graças a denúncias dos próprios trabalhadores, pela fiscalização dos sindicatos e da ação do Ministério Público do Trabalho (MPT), que autuou empresas.

E foi a partir dessas informações que os frigoríficos foram obrigados assinar Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), se comprometendo a adotar medidas de segurança. No caso dos frigoríficos ainda falta resolver a questão do distanciamento entre os trabalhadores, que exercem suas funções muito próximos uns dos outros. Mas, em resumo, a organização inicial das empresas para esses trabalhadores, não funcionou, por isso houve surtos em unidades desses frigoríficos.

Maria Maeno acredita que esse tipo de informação deveria se estender a outras categorias como padrão nacional, e que para isso acontecer, bastava só “um pouquinho de boa vontade” do Ministério da Saúde para atualizar o modelo de fichas de notificação.

“As fichas são antigas e foram elaboradas ao longo do tempo pelo SUS. Têm vários dados, mas não tem a atividade profissional que, neste momento, é fundamental para termos uma percepção de casos no mundo do trabalho”,  explica.

Diversas entidades e órgãos ligados à saúde, de acordo com Maria Maeno, já solicitaram ao ministério que padronize o formato de notificação. Por enquanto, ela conta, somente em alguns municípios e estados tem sido feito um trabalho de notificação diferenciada. No município de São Paulo, por exemplo, a Secretaria Municipal de Saúde publicou uma ficha diferenciada com informações relacionadas ao trabalho.

Os números oficiais

A secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida Silva, alerta que não há dados oficiais precisos sobre adoecimento e mortes por Covid-19 e que, por isso, o isolamento social deveria ser mantido.

Mas em contrapartida, o governo federal tem que ter medidas para proteger os trabalhadores. “Precisa ter comprometimento do governo com crédito para empresas, para trabalhadores informais e medidas que possibilitem manter o trabalhador em casa”, diz.

A falta de informação dificulta o movimento sindical de fazer uma luta específica para proteger a vida e o emprego dos trabalhadores e impede pesquisadores de terem informações exatas para ajudar a elaborar políticas públicas de combate ao coronavírus, segundo a dirigente.

“Categorias como manicures e cabelereiros têm um índice alto de precarização e dificilmente se encontram trabalhadores formalizados nesses setores. Portanto, eles não têm organização sindical para defendê-los, ao contrário de outros setores”, diz Madalena.

Por isso, para ela, a notificação do local de trabalho é fundamental, especialmente,  neste momento em que alguns governadores já começam a flexibilizar as regras de isolamento e a promover reabertura moderada da economia, e o governo federal estende a lista de atividades consideradas essenciais, para que possam voltar à ativa.

São Paulo é um exemplo, onde cidades que atendem a critérios impostos pelo governo de João Dória (PSDB), como distanciamento no atendimento e disponibilidade em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), já começaram a reabrir as atividades.

“Como manter a segurança desses trabalhadores e detectar possíveis focos de coronavírus, se não houver uma organização maior do ministério da Saúde nesse sentido? questiona Madalena, que ainda adverte: se, em locais onde há denúncias e o MPT atua, está difícil controlar, imagina em outros lugares”.

Madalena afirma também que a atuação sindical está, de certa forma, restrita a algumas categorias, onde ações para cobrar e definir regras de segurança têm sido realizadas, como é o caso dos frigoríficos. Segundo a dirigente, a CUT e seus sindicatos estão trabalhando na elaboração de um projeto de fiscalização que abrange mais categorias de trabalhadores.

Manter o isolamento social é a melhor forma de combate à pandemia

Tanto para a médica Maria Maeno quanto para a secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida Silva, o isolamento, conforme recomenda a Organização Mundial de Saúde (OMS), ainda é a maneira mais segura de evitar o avanço da pandemia.

Maria Maeno afirma que não é momento de afrouxar porque o país ainda está na curva ascendente, ou seja de aumento de casos, todos os dias. “Seria uma aceleração dos casos e do número de mortes”, afirma.