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do amor próprio, o sentido de de esquerda, durante a luta arma- que ela encontrou para se prote- lealdade. O amor próprio foi muito da. Vocês tinham efetivamente a ger. forte em mim. devida noção do risco que corriam? Imagem – Na inusitada roda de Imagem – Você admite que a luta Cid – Tínhamos. Pelo menos o samba ocorrida no Dops, em que armada foi um erro. Sua geração núcleo dirigente tinha. Procuro você tocava violão dentro do Ratão era muito jovem. Por que tanta passar isso no livro, quando falo da (uma solitária de apenas 1,20m x pressa? clandestinidade. A gente tinha 0,80m) e os outros presos canta- consciência do cerco que estava se vam do lado de fora, qual era o Cid – As análises nos congressos formando. O pessoal que resistiu sentimento predominante? estudantis realmente pareciam mais um ano, um ano e meio, (Cid programas revolucionários de foi preso em 21 de abril de 1970) Cid – Alívio. Por piores que fossem partidos, mas, efetivamente, fomos sentiu isso com muito mais intensi- as condições ali, no Ratão, onde empurrados para a luta armada por dade, porque a situação piorou fiquei. Estava vindo do DOI-CODI, uma série de fatores. Primeiro, o muito. Mas já na minha época, isso onde era sistematicamente tortura- processo de fechamento da ditadu- era muito claro, presente. A gente do. No Dops, naquele momento, ra dificultou sobremaneira a luta de trabalhava para romper este cerco, não havia tortura a presos políti- massas. Com o AI-5, os militares crescer, ampliar, abrir frentes cos. A ameaça maior era voltar fecharam as portas para a luta rurais, passar por aquele período, para o DOI-CODI. Estar no Dops institucional e ainda instauraram a torcendo para que aquilo tudo era uma situação de alívio. Se você censura. A forma de resistência fosse uma coisa transitória O que, pega uma pessoa na rua e a leva não armada não dava resultados na realidade, não era. Nosso para o Ratão, o impacto é um, já se em curto prazo. Parecia que as quadro era tão precário que não você tira o cara do DOI-CODI e o coisas não caminhavam, mas a conseguimos ir adiante. A situação leva para o Ratão, a sensação dele vida é assim, a história é assim. era de cerco e de destruição. é outra, ele está no lucro, deixou Parece, às vezes, que a roda da de ser torturado. O violão ali foi história gira para trás. A leitura Imagem – Iramaya, sua mãe, foi uma coisa meio folclórica, devo disso, a crítica a 1964 quando a uma mulher muito combativa e admitir. Os policiais do Rio de esquerda foi derrotada sem lutar, a dotada de grande carisma, chegan- Janeiro estavam pouco se lixando. conjuntura internacional com a do a ser candidata pelo PT, na Eles não estavam no esquema, não revolução de Cuba, o Vietnã década de 1980. Mas independen- tinham a cabeça na tal guerra dos enfrentando os Estados Unidos, temente disso, era sua mãe. Ela e militares. Os policiais compravam com êxito, tudo parecia conduzir seu pai (Ney), um oficial do Exérci- jornal para a gente. Enfim, algum para uma saída armada. Isso, to, embora tenham sempre estado parente de preso levou o violão juntamente com nossa a seu lado, em algum momento para lá e os policiais o deixaram inexperiência política e a falta de eles lhe criticaram pela opção ou entrar no Ratão. Era uma forma de capacidade como quadro dirigente pediram para que abandonasse a matar o tempo. Em um lugar nos empurrou para lá. Acho impor- luta? fechado, sem grade, sem janela, tante fazer esta autocrítica. todo escuro, o jeito foi cantar Porque há setores da esquerda Cid – Nunca. De jeito nenhum. Eles samba. que, seja para se auto-valorizarem tinham muito orgulho de nós (N. E.: ou para não passarem uma imagem o irmão de Cid, César, foi preso e Imagem – A luta pelo socialismo conservadora, não afirmam textu- torturado pela ditadura ainda ainda passa pela luta armada? almente isso, que a luta armada foi menor de idade). Tinham preocupa- um erro. ção, o que era natural, mas jamais Cid – As transformações sociais fizeram qualquer crítica. Na época, não obedecem cartilhas. Em países Imagem – Em uma das passagens minha mãe dizia para as pessoas: como o Brasil não está colocada a do livro, você aponta falhas primá- “eu sei que nada vai acontecer luta armada. Se naquela época foi rias na segurança das organizações com os meus filhos.” Foi a forma um erro, hoje seria uma insanidade 21 Imagem
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